Inspiração ou culpa

Vivemos numa era em que há cada vez mais pessoas a falar sobre parentalidade. Dão dicas, partilham rotinas familiares e momentos com os filhos. Mas o que é que isso provoca em quem está do outro lado? Inspiração… ou culpa?

A nova exigência invisível

É fácil sentirmo-nos mal por não sermos aquele pai ou mãe que parece ter tudo sob controlo. Começamos a perguntar-nos: “Estou a fazer o suficiente?”, “Sou bom pai?”, “Sou má mãe?” E essa comparação constante, mesmo que inconsciente, torna-se pesada.

Hoje fala-se mais de desenvolvimento infantil, ajustam-se expectativas para com as crianças, compreende-se melhor o cérebro em desenvolvimento. Mas… e os adultos? Parece que quanto mais aprendemos sobre as necessidades das crianças, mais exigentes ficamos connosco enquanto pais.

De repente, a parentalidade consciente, que podia trazer leveza, começa a parecer mais um sítio onde temos de ser “perfeitos”. A culpa cresce e instala-se. É como se, por termos acesso a mais conhecimento, passássemos automaticamente a ser obrigados a agir sempre com essa consciência. Só que não é assim tão simples.

Uma das razões para a parentalidade curling, em que os pais procuram proteger constantemente as crianças, advém dessa autoexigência em relação à competência e capacidade de ser (ou não) um bom pai ou uma boa mãe.

“Sou bom pai/mãe… comparado com o quê?”

Esta pergunta usada em muitos processos de coaching é poderosa. Muitas vezes dizemos que somos bons ou maus pais sem saber bem em relação a quê. Estamos a comparar-nos com quem? Com aquela mãe que vemos no Instagram? Com o nosso próprio pai? Com um ideal que nem sabemos de onde vem?

O que acontece é que vamos formando, sem perceber, um quadro de referência cheio de expectativas irreais, onde criamos um conjunto de ideias sobre o que é bom e o que é mau. E isso dificulta a aceitação de quem realmente somos no dia-a-dia com os nossos filhos.

A culpa como convite

No caminho do desenvolvimento pessoal, quando começamos a aprender algo novo, é natural sentirmos entusiasmo pelas novas perspetivas que se abrem. Passamos a ver com mais clareza coisas que antes estavam à nossa frente, mas que não víamos. No entanto, esse novo olhar pode também trazer desconforto — às vezes, até pensamos que teria sido mais fácil não sabermos certas coisas. Porque com esse novo quadro de referência, começamos a duvidar de nós próprios: “E se afinal sou pior pai ou mãe do que pensava?”

Por outro lado, se ouvirmos uma ou duas pessoas a falar sobre parentalidade, conseguimos escutar, refletir e, se fizer sentido, adaptar algumas ideias à nossa realidade. Mas quando são dezenas — ou centenas — de vozes a partilhar conselhos, rotinas perfeitas e modelos inspiradores, começamos a sentir uma pressão maior. Parece que toda a gente está a fazer “bem feito”. E nisso, surge a culpa: “Se toda a gente consegue, porque é que eu não consigo?”

E mesmo dentro do desenvolvimento pessoal, ouvimos muitas vezes que é possível libertar-nos da culpa. Mas a verdade é que, como pais ou mães, continuamos a senti-la. E, por isso, chegamos a acreditar que há algo de errado connosco, que estamos “estragados”.

Não há pessoas estragadas. De uma infância feliz fazem parte as frustrações, as lágrimas, os conflitos.

A aceitação precede a transformação

Uma boa mãe e um bom pai mostram como são. Uma boa mãe às vezes grita, às vezes passa-se da cabeça, às vezes “porta-se mal”, exatamente como um bom filho, às vezes faz birras e “porta-se mal”. Quando conseguimos admitir e aceitar isso, começamos “a portar-nos melhor”, pois a aceitação traz regulação e isso é essencial para nós conseguirmos ser as pessoas que queremos ser.

A culpa diz coisas bonitas sobre nós. Quando sentimos culpa em relação a alguma coisa relacionada com o nosso parceiro, com os filhos, isso diz que queremos contribuir para o bem-estar deles. Isso diz que queremos ter uma boa relação com eles. Isso diz que queremos sentir conexão, ligação, que haja respeito. Tudo isso está por detrás da sensação da culpa que sentimos.

É nesse lugar de aceitação que começa a transformação. A culpa constante não nos ajuda a fazer diferente – só nos paralisa. Já a aceitação permite regular-nos, aceder aos nossos recursos e escolher com mais clareza.

Inspira… e expira

Podemos inspirar-nos nos outros. Mas também precisamos aprender a expirar, a deixar ir a ideia de que temos de fazer sempre tudo certo, que temos de ser pais conscientes o tempo todo.

Vamos continuar a sentir culpa, cansaço, medo, insegurança – Tudo isso faz parte – mas talvez uma parte disso alivie se olharmos para nós com mais gentileza.

Relaxar não significa desistir – é garantir que estamos regulados. E quando estamos regulados, acedemos mais facilmente aos nossos recursos, pensamos melhor, decidimos melhor e somos melhores correguladores para os nossos filhos, que é tudo o que eles precisam para eles próprios aprenderem a regularem-se.

É importante lembrarmo-nos que aquilo que vemos nas redes sociais é apenas uma parte — muitas vezes filtrada — da realidade. Até os momentos “difíceis” partilhados são, muitas vezes, cuidadosamente escolhidos. Por isso, em vez de sermos demasiado pedagógicos na relação com os nossos filhos, de vivermos em modo de autocensura constante ou de nos deixarmos cair na comparação constante, talvez seja mais saudável darmos lugar à leveza.

Não precisamos de mais técnicas de comunicação ou de mais conhecimento, precisamos é de mais leveza e intenção. Mais diversão com os filhos. Mais momentos bons. Mais espaço para ESTAR e SER com eles. Divertir é usufruir da relação, ter bons momentos, ter emoções saudáveis e apetecíveis muito presentes. Claro que continuarão a existir momentos de tensão e dias difíceis — isso faz parte. Mas o que muda é a forma como escolhemos olhar para esses momentos, sem os deixarmos definir o todo.

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