Parentalidade que funciona: menos controlo, mais relação

Que impacto tem a ideia de controlarmos e gerirmos o comportamento das crianças com base em modelos comportamentalistas? E que alternativas temos quando queremos educar de forma consciente e relacional?

A promessa da pirâmide comportamental

Recentemente, uma psiquiatra apresentou uma pirâmide sobre como conseguir um bom comportamento nas crianças. A base era composta por tempo de qualidade, seguida de reforço positivo, depois conversa, depois tempo para pensar (o clássico “time-out”) e, por fim, o castigo com retirada de benefícios. As palmadas estavam fora da pirâmide, assinaladas com uma cruz.

A proposta parecia simples: usar muito o que está na base e pouco o que está no topo. Mas o que é “muito”? O que é “pouco”? E quem decide isso?

O que está por trás do modelo?

É fácil reconhecer a intenção positiva por trás desta pirâmide. No entanto, ela não nos convida a refletir sobre as consequências de aplicar este modelo a longo prazo. Mesmo que só usemos os recursos do topo em último caso, o simples facto de os considerarmos já influencia a forma como nos relacionamos. A criança sente isso. Pode não haver castigo, mas ela percebe que está a ser avaliada.

Exemplo:
“Será que a minha mãe vai tirar-me o telemóvel?”
“O meu pai está a decidir se me castiga?”

Essa tensão afeta a relação. Porque este modelo, apesar de parecer cuidadoso, não é relacional. É 100% comportamental. Foca-se em gerir comportamentos – ou seja, controlar – para obtermos aquilo que, como adultos, consideramos certo. Ensina a utilizar o amor como uma moeda de troca . “Se te portas bem, dou. Se te portas mal, tiro.” 

O efeito colateral nas relações

Que impacto tem isto na forma como nos relacionamos com os nossos filhos? E, mais tarde, nas relações amorosas, profissionais ou de amizade?

A verdade é que muitos de nós seguimos a lógica da pirâmide em modo automático: começamos com subornos, eventualmente prémios, com reforços e elogios, depois passamos às ameaças, e se isso não resulta, ao castigo. E quando nem o castigo funciona, podemos sentir que falhamos e cair na permissividade. Alguns especialistas dizem que o problema é que os pais não “mantêm o castigo”, mas talvez o verdadeiro problema seja exatamente acharmos que temos de castigar para educar.

Exemplo:
Se o meu filho está emocionalmente em baixo, ou com necessidades não satisfeitas, retirar-lhe algo de que gosta (o telemóvel, o treino, o Wi-Fi, etc.) apenas intensifica a desconexão e o que já está a sentir. E quando o castigo não resulta, o que vem a seguir? Mais punição? Mais controlo? Ou talvez ressentimento, vontade de vingança ou a sensação de não ter valor da parte da criança?

Castigo ou consequência natural?

Claro que os comportamentos têm consequências. Mas há uma diferença entre castigos e consequências naturais.

Exemplo:
Se o meu filho não veste o casaco de chuva num dia de chuva, vai molhar-se. Essa é a consequência natural. Mas muitos de nós temos medo de deixar essas experiências acontecerem.
(Nota importante: há situações de risco ou perigo em que devemos usar o nosso poder protetor).

Quando usamos castigos ou recompensas, estamos a ensinar estratégias que mais tarde os nossos filhos vão usar com os outros.

Exemplo:
Em contexto de empresa: só para chatear o outro “não vou aprovar as tuas férias.”
Numa relação amorosa: “vou deixar de falar contigo; vou ignorar-te”
Estamos, sem querer, a perpetuar relações baseadas em poder sobre e não em respeito mútuo ou em poder com.

Da gestão de comportamento à criação de relação

É urgente mudar este chip, deixarmos a ideia de que controlar comportamentos é necessário, isto porque a verdadeira solução está na relação.

Educar é muito mais do que corrigir. É criar espaço para a criança refletir sobre o impacto do que faz, no contexto em que está, com as pessoas à sua volta. É ajudá-la a perceber que certos comportamentos podem funcionar com algumas pessoas, e não com outras. Isso é aprendizagem real, é empatia, é autenticidade.

Quando a criança sente que tem valor independentemente do comportamento, ela aprende a relacionar-se de forma saudável — com ela própria e com os outros. Caso contrário, aprende que precisa de obedecer para ser amada. E obediência cega pode levá-la a seguir pessoas e ideias que não respeitam a sua integridade.

Este é o convite:

  • Praticar um novo paradigma.
  • Passar da gestão de comportamento para a criação de relação.
  • Criar laços com base no igual valor, respeito pela integridade de cada um, responsabilidade pessoal e autenticidade.

Porque a parentalidade que realmente funciona… é a que começa no coração da relação.

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