Parentalidade Curling

Parentalidade Curling. Esta é uma expressão que surgiu nos países nórdicos para descrever um estilo de parentalidade que está a tornar-se cada vez mais presente. O que significa? O que está na origem deste estilo de parentalidade? Quais as consequências nas crianças, nos jovens e na relação entre pais e filhos? 

O que significa parentalidade curling?

O Curling é um desporto de equipa que se joga sobre gelo em países onde o clima é frio. Cada equipa tem no mínimo três jogadores e o objetivo é lançar pedras de granito o mais próximo possível de um alvo. Para isso, um dos jogadores atira a pedra enquanto que os outros – os varredores – varrem o gelo à frente da pedra para diminuir o atrito de forma a que ela possa deslizar mais facilmente até ao alvo.

Com base nesta metáfora, é fácil perceber o que é a parentalidade curling. É quando os pais retiram todos os obstáculos aos filhos, fazendo coisas que, em princípio, os filhos poderiam fazer sozinhos. Por norma, são pais que têm muito receio que os filhos passem por adversidades, por situações de frustração, tanto em casa como noutros ambientes.

Exemplo:

  • Num parque infantil, pais que estão sempre atrás dos filhos a procurar ampará-los ou a pedir para terem cuidado.
  • Acontece algo na escola e, apesar da criança ter idade e maturidade suficiente para resolver isso, os pais vão logo à escola falar com a professora e resolver.
  • Pais que se envolvem muito no processo de candidatura à universidade, que vão com os filhos ao primeiro dia de aula para, entre outros, ajudá-los a saber onde será a sala de aulas, etc.
  • Pais que ligam para uma empresa para se informar sobre o processo de recrutamento do seu filho de maior idade. 
  • Pais que fazem enormes sacrifícios para garantir que os filhos tenham sempre dinheiro e certas coisas (como sapatilhas de marca por exemplo) para evitar que eles lidem com o desconforto dos colegas terem algo que eles não têm.

Isto é: se os pais souberem com antecedência que os filhos poderão/vão lidar com uma adversidade que lhes vai trazer tristeza ou frustração, tentam eliminar essa adversidade. 

O que está na sua origem?

A intenção para uma Parentalidade Curling é obviamente positiva mas, tal como é o caso numa parentalidade mais autoritária, as principais necessidades que estão a ser satisfeitas são as dos pais. Quanto às crianças, o maior foco está, não nas suas necessidades, mas sim nos seus desejos.

É uma tentativa de salvar a criança constantemente daquilo que pode, de alguma forma, doer. Às vezes é quando já está a doer um pouco, outras vezes é antes que isso aconteça de forma a que a criança nem sequer chegue a sentir a dor que algumas situações oferecem.

Nesse processo evita-se uma série de aprendizagens pois é uma parentalidade que tem muito medo de emoções desagradáveis. Isso pode acontecer porque os próprios pais tiveram de lidar com emoções desagradáveis em experiências que não promoveram resiliência nem aprendizagens, levando-os a não querer que os filhos passem pelo mesmo.

Normalmente, os pais curling estão sempre ao serviço dos filhos e, às vezes, queixam-se que as crianças não são autónomas, não são corajosas, têm medo de experimentar coisas novas, não querem fazer nada sozinhas, não tomam iniciativa, etc.

Para compreender a sua origem, poderíamos explorar uma série de perguntas:

>> Será que a cultura e o ambiente em que vivemos potencia este estilo de parentalidade? Será que o facto de certas atitudes e estratégias serem mais comuns hoje em dia faz com que façamos mais coisas pelos nossos filhos do que há uns anos atrás?
>> Será que acontece porque a nossa geração de pais tem melhores condições (financeiras; de formação; disponibilidade de tempo com os filhos; meios tecnológicos; etc) para o fazer? 
>> Será que é para compensar o que não tivemos na nossa infância? 
>> Que necessidades nós adultos temos para praticar este estilo de parentalidade? O que faz com que queiramos estar sempre a salvar os nossos filhos de adversidades? Por que razão nos custa tanto quanto eles estão em sofrimento?

Isso pode ter a ver com a nossa dificuldade em lidar com as emoções desagradáveis sentidas pelos nossos filhos, como a frustração, a tristeza, a raiva, etc. Ao salvá-los, satisfazemos as nossas próprias necessidades de forma a fugir das nossas próprias emoções desagradáveis.

Exemplo:

  • O facto do meu filho ter dificuldades em lidar com algo pode significar, de forma inconsciente, que eu não sou um bom pai; não sou capaz; não sou suficiente. 
  • Tenho necessidade de me sentir mais seguro, enquanto pai/mãe, sabendo que os meus filhos conseguem superar determinados desafios.  
  • Tenho necessidade de me sentir validado enquanto pai/mãe porque os meus filhos são capazes e têm sucesso.

As consequências de uma parentalidade curling

A parentalidade curling pode não ser um estilo constante. Podemos viver uma parentalidade consciente e às vezes praticar curling como podemos viver uma parentalidade mais autoritária e fazer o mesmo. A parentalidade curling também não é necessariamente uma parentalidade permissiva, pois podem existir na mesma muitas regras e exigência em relação a muitas coisas. No entanto, quando ela é a forma exclusiva de viver a nossa parentalidade, ou aparece muitas vezes, existem consequências possíveis quer para a criança, quer para a relação com os pais. 

De uma forma geral, podemos dizer que ela contribui para uma incapacidade aprendida e para uma autoestima fragilizada. Isto é, se os adultos fazem tudo pela criança, ela pode começar a acreditar que não consegue fazer sozinha e até pode ficar com medo de tentar fazer sozinha. Pode sentir-se insuficiente e incapaz e isso, por sua vez, pode ser debilitante e até deprimente.

Quando o adulto está sempre a ajudar a criança, está a comunicar: “Não confio que consegues.” Saber que os outros confiam em nós é um elemento fundamental para o desenvolvimento de uma autoestima saudável e para a criança ter a coragem para experimentar sem estar sempre à espera da validação dos outros. 

Este tipo de proteção, potenciado por uma parentalidade curling, pode ter um impacto no desenvolvimento motor e cognitivo da criança, podendo gerar uma certa fragilidade, tornando a criança muito sensível a qualquer tipo de crítica, confronto ou conflito com outras pessoas. Os próprios pais ficam muito sensíveis quando os filhos são postos em causa de alguma forma ou são responsabilizados por algo que fizeram. É uma dinâmica que se torna tóxica, dando quase um direito a apelar a um suposto dever dos pais e cuidadores de resolver os problemas das crianças.
Por fim, também pode trazer desgaste à relação entre pais e filhos, pelo sentimento de culpa, ingratidão e cansaço que pode suscitar.

Oferecer equilíbrio

Como dizia o terapeuta familiar Jesper Juul, é importante criar um certo equilíbrio e oferecer uma certa resistência sem magoar. Aqui a resistência pode ser através de questionarmos os nossos filhos: Que pensamentos tiveste em relação a esta situação? Que necessidades estás a procurar preencher? Que consequências é que isso pode ter?

Ter em consideração as consequências mencionadas anteriormente pode ser muito útil para ajudar-nos a entender que as consequências vão muito além do evitar as nossas próprias emoções. Estamos a criar novos problemas para os nossos filhos porque lhes ensinamos que na realidade não conseguem e porque não lhes permitimos aprender.

O facto dos nossos filhos estarem frustrados, tristes, ou não se sentirem bem, não diz nada sobre a nossa qualidade enquanto mãe ou pai, não significa que fizemos algo de errado. Interiorizar isto é muito importante. Não há nada de errado em sentir empatia emocional em relação aos nossos filhos e ficar triste quando os vemos tristes. Podemos oferecer espaço para essa tristeza, para falar sobre as suas dificuldades, sobre as estratégias que podem utilizar no futuro, sem querer salvá-los a eles e a nós, do ponto de vista emocional (tirando-os dessa emoção) ou fazendo algo por eles. Não é necessariamente fácil, mas termos consciência do que está a acontecer ajuda-nos a estar mais atentos aos momentos para percebermos quando queremos efetivamente fazer um pouco de curling – quando isso está alinhado com a nossa intenção e é uma escolha consciente nossa.

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