A Bússola das Necessidades

Existem 2 eixos na bússola das necessidades que podemos explorar nos momentos em que sentimos vergonha ou queremos evitar a vergonha.

O primeiro eixo é a resposta à pergunta: Quem posso culpar pela situação?

Para essa pergunta, existem dois movimentos:

1. Culpar-me a mim

Exemplo:

  • Sou eu que não sei. 
  • Sou eu que não sou suficiente.
  • Sou eu que deveria fazer diferente.

2.Culpar o outro

Exemplo:

  • Tu é que não fizeste.
  • Tu é que não me avisaste.
  • Tu é que não disseste.

O segundo eixo é a resposta à pergunta: Quem tem o poder de mudar a sensação/situação?

Para essa pergunta, existem dois movimentos:

1.Revolta / Rebelião

A pessoa evita a todo o custo qualquer sinal de vergonha (ou vulnerabilidade).

Exemplo:

  • A pessoa que acha que tem de conseguir tudo sozinha; 
  • A pessoa que acha que as pessoas estão com ela ou contra ela; 
  • A pessoa que acha que os outros fazem certas coisas por inveja.

Apesar de parecer que a pessoa tem todo o poder, normalmente ela age a partir de um lugar muito solitário.

2.Submissão / Retirada

A pessoa esconde-se, fica sozinho/a com a sua vergonha, congela, desiste, não faz nada. A pessoa acredita que não tem qualquer tipo de poder.

Exemplo:

  • Vou para o palco pela primeira vez e depois de eu falar alguém ri-se de mim. Se tiver tendência para a submissão, provavelmente não vou voltar para o palco porque eu quero evitar essa vergonha. 
  • Se tiver tendência para o movimento de rebelião, eu vou a todo o custo para o palco e posso pensar em algo como: “Um dia vão se arrepender de se terem rido de mim.”

Muitas vezes “culpar-me a mim” está ligado à “submissão / retirada” enquanto a “revolta / rebelião” está ligado a “culpar o outro”.

Exemplo:

No caso de falar em público. 

  • Se eu tiver um movimento de rebelião, eu vou também culpabilizar o público: “Eles é que não percebem”; “Não estão preparados para esta mensagem”.
  • Se eu me culpar a mim, eu vou achar: “Não sabia o suficiente”; “Não estava suficientemente bem preparado/a”; “não deveria ter ido já para o palco, deveria ter estudado mais”.

Contudo, podem existir movimentos que se combinam:

  • Culpar-me a mim + Revolta / Rebelião
  • Culpar-me a mim + Submissão / Retirada
  • Culpar o outro + Revolta / Rebelião
  • Culpar o outro + Submissão / Retirada

Esses são comportamentos que conseguimos observar em nós e nos outros. Se olharmos para isso como uma estratégia comportamental como resposta à vergonha e à incapacidade de ficar com a vergonha, conseguimos ter uma maior clareza sobre o que está presente para nós e para o outro numa determinada situação.

Como podemos viver a vergonha?

Sendo honestos com ela e com aquilo que estamos a sentir num determinado momento.

Exemplo:

Posso falar da minha vontade de falar em público e das minhas dificuldades em fazê-lo.

Nesta proposta percebemos que a vergonha pode ser algo de bonito, humano, que todos nós temos em comum. Se tivermos coragem para nomear a vergonha, normalmente ela dissipa-se.

O convite é utilizarmos a bússola para nos tornarmos detetives da nossa própria vergonha e percebermos quais são os nossos movimentos em certas situações (sabendo que em algumas situações pode ser de uma forma e noutras situações de outra). Além disso, podemos olhar para essa bússola à luz das necessidades descritas no artigo "A vergonha é boa ou má" de forma a ganharmos mais clareza.

E tal como a vergonha, a culpa e a raiva também podem entrar na bússola porque a culpa e a raiva estão intimamente ligadas à vergonha.

A culpa raramente aparece sozinha, normalmente é acompanhada pela vergonha.

Da mesma forma, é muito provável que por detrás da raiva esteja a vergonha. E muitas vezes, quando somos dominados pela raiva, depois sentimos vergonha disso.

“Sentir vergonha é assumir um risco. Estar com vergonha é assumir responsabilidade.”

Mikaela Óvën

Quando sentimos vergonha, biologicamente o nosso sistema diz-nos que estamos a assumir um risco. No entanto, se conseguirmos estar com a vergonha quando ela se manifesta, significa que estamos a assumir responsabilidade pelas nossas necessidades e pelo impacto que estamos a ter à nossa volta. Quando prestamos atenção a isso, podemos observar que os nossos programas inconscientes (os nossos movimentos na bússola) muitas vezes não são a melhor estratégia para lidar com um determinado problema ou contexto.

Em Resumo…

A vergonha é um convite para:

  • Lembrarmo-nos das nossas necessidades de aceitação, pertença e dignidade e refletir sobre as estratégias que utilizamos para nutrir essas necessidades.  
  • Praticar empatia e compaixão em relação a nós e aos outros. 
  • Conhecermo-nos melhor e falar do que está vivo em nós e para nos conectarmos melhor com o outro.

Se em vez de olharmos para a vergonha como algo a evitar, olharmos para ela como mensageira relativamente às nossas necessidades de aceitação, pertença e dignidade, como convite à compaixão, empatia e conexão connosco e com os outros, seremos certamente mais corajosos com essa emoção, o que nos permitirá aproximar-nos mais de nós e dos outros, agir de uma forma mais autêntica, criar relações mais honestas e relaxar mais.

A proposta não é por isso deixar de sentir vergonha, quando muito, é não ter vergonha em relação a ter vergonha. Se aceitarmos esse convite, se nos ligarmos às necessidades presentes, à empatia, à compaixão e à conexão, poderemos escolher estratégias mais ecológicas para nutrir as nossas necessidades. 

“Nunca faças nada para evitar vergonha.”

Marshall Rosenberg