A DIFERENÇA ENTRE PARENTALIDADE CONSCIENTE E PARENTALIDADE POSITIVA

São muitas as vezes em que nos questionam sobre a diferença entre Parentalidade Positiva e Parentalidade Consciente. Para ajudar a esclarecer, vamos fundamentar a caracterização da Parentalidade Positiva e da Parentalidade Consciente no contexto do surgimento de cada uma.

PARENTALIDADE POSITIVA

A Parentalidade Positiva tem sua origem nos conceitos teóricos sobre a educação – “filosofia positiva” – desenvolvidos pelos psiquiatras Alfred Adler e Rudolf Dreikurs por volta de 1920 1. De acordo com os autores, a filosofia positiva apresentava o caminho do meio entre o autoritarismo e a permissividade, resultando em ferramentas para desenvolver as habilidades que facilitariam a construção de relacionamentos mais sadios2, erradicando o castigo físico e verbal.


Por volta de 1930, surgiram estudos em torno das questões “Qual a melhor forma de educar as crianças?” e “Quais as consequências no desenvolvimento das crianças educadas por diferentes
modelos parentais?”. Por volta de 1960, a psicóloga Diana Baumrind realizou investigações pioneiras sobre os diferentes estilos parentais e o seu impacto na educação, saúde e desenvolvimento das crianças. Por volta de 1980, e tendo por base os conceitos teóricos de Adler e Dreikurs, as autoras
Jane Nelsen e Lynn Lott desenvolveram o modelo de educação3 “disciplina positiva” de forma a
promover “respectful relationships in homes and schools”.


A partir daí, começaram a surgir inúmeras investigações e modelos explicativos do comportamento
parental (Fernandes, 2019), e com estes, surgiram vários programas parentais com vista à aquisição de competências e modificação de comportamentos para famílias com crianças até à idade escolar4, onde se incluíam incentivadores e inibidores de comportamentos. Surgia assim a Parentalidade Positiva que diferencia comportamentos positivos e negativos, visando reforçar os comportamentos positivos da criança. A criança, e todo o seu comportamento visível, passou a ser o foco da educação parental. Diversas convenções europeias e internacionais também contribuíram nesse sentido: a Declaração de Genebra sobre os Direitos da Criança (1924); a Declaração dos Direitos da Criança (1959) e a Convenção sobre os Direitos da Criança (1989) – com o intuito de divulgar conhecimento atualizado e definir um conceito global de infância, estabelecendo uma correlação pública e política entre parentalidade e cidadania.


Em 2006, o Conselho da Europa definiu “Parentalidade Positiva” como um comportamento parental
baseado no melhor interesse da criança, que assegura a satisfação das suas necessidades e a sua
capacitação, sem violência, proporcionando-lhe o reconhecimento e a orientação necessários, o que implica o estabelecimento de limites ao seu comportamento, para possibilitar o seu pleno
desenvolvimento (Council of Europe, 2006) e (CNPDPCJ, s.d.). Em 2009, o Conselho da Europa
representou um marco na sensibilização para a abolição do castigo físico das crianças – “Raise your hand against smacking”.


Estava assim aberto o caminho para se encontrar e promover formas mais positivas de pais e mães praticarem a parentalidade, centrando a importância da infância no desenvolvimento global de um futuro adulto e combatendo as práticas atribuídas ao que hoje em dia se apelida de parentalidade tradicional, mais particularmente a punição verbal e física (de salientar que apesar da grande evolução de valores e direitos, estas práticas ainda se mantêm).

PARENTALIDADE CONSCIENTE


O termo Parentalidade Consciente surgiu num momento ulterior à Parentalidade Positiva. No entanto, as suas ideias base e os valores praticados podem ser traçados até aos anos 30 com a vaga da “Educação Livre” (muitas vezes mal interpretada como liberdade de fazer quando na realidade se tratava de liberdade de ser). Um exemplo é a psicóloga sueca Miriam Israel e o sociólogo e professor universitário Joachim Israel (nascido na Alemanha mas que se mudou para a Suécia em 1938) que, em 1946, publicaram o livro “Det finns inga elaka barn” (Não existem crianças más), uma tentativa de acabar com a parentalidade e a educação autoritária e onde apresentam o resultado das suas reflexões e estudos sobre a ligação entre os efeitos de uma educação baseada em obediência e a Segunda Guerra Mundial.


A Parentalidade Consciente visa criar uma quarta via de parentalidade, expandido assim a partir das três vertentes principais mencionadas, por exemplo, por John Wall no livro Ethics in Light of Childhood (2010): a autoritária, a permissiva e a democrática (onde por norma encaixaria a parentalidade positiva). A Parentalidade Consciente é uma parentalidade baseada no princípio do igual valor, onde a criança é uma parte integrante de um sistema, com exatamente o mesmo valor que os adultos, tendo liberdade de ser ( e não liberdade de fazer).5


O que hoje em dia chamamos de Parentalidade Consciente (ou Mindful) foi introduzido pela primeira vez em 1997 por Jon Kabat-Zinn e Myla Kabat-Zinn, trazendo o conceito de Mindfulness (atenção plena ou presença consciente) à prática da parentalidade, fomentando a atenção dos pais ao contexto das interações quotidianas com os seus filhos e aos seus próprios processos internos.


A Parentalidade Consciente foi bebendo da evolução da própria ciência e da investigação, tendo a teoria da Vinculação, a teoria da Autodeterminação e a teoria Polivagal como principais fundamentos. Também foi influenciada pela Comunicação Não Violenta do psicólogo Marshall Rosenberg nos anos 60, pelos estudos científicos sobre Mindfulness como terapia de Jon Kabat-Zinn nos anos 70, pela Teoria das Múltiplas Inteligências de Howard Gardner nos anos 80, Inteligência Emocional de Daniel Goleman, a neurobiologia interpessoal de Dr Daniel Siegel e a visão da parentalidade do terapeuta familiar dinamarquês Jesper Juul, todos desenvolvidos nos anos 80 e 90. Alfie Kohn (2005) que desenvolveu o seu trabalho alicerçado em valores compatíveis com a intenção da Parentalidade Consciente – apelidando-a de unconditional parenting (parentalidade incondicional); Shefali Tsabary (2015), psicóloga, cujo trabalho na área da parentalidade é denominado conscious parenting (parentalidade consciente). Além destes autores, devem também ser referidos os autores portugueses Medeiros et al. (2016, apud Fernandes, 2019) que reuniram evidências de que a Parentalidade Consciente estava associada a um maior bem-estar de crianças e adolescentes através da percepção de um relacionamento mais seguro com os seus pais. Em Portugal, a autora de referência em Parentalidade Consciente é Mikaela Övén, fundadora da Academia de Parentalidade Consciente, que já publicou dois livros sobre Parentalidade Consciente, o último especialmente dedicado à adolescência.


SEMELHANÇAS E DIFERENÇAS ENTRE PARENTALIDADE CONSCIENTE E PARENTALIDADE POSITIVA


Tanto a Parentalidade Consciente como a Parentalidade Positiva têm como base a vontade de melhorar as relações entre pais e filhos, superando os momentos de maior tensão e procurando alternativas à punição física e verbal.


Algumas vezes, gera-se confusão entre Parentalidade Positiva e Parentalidade Consciente pela proximidade da abordagem ao tema. Outras vezes, no entanto, afastam-se por completo. Por exemplo, alguns autores na linha da Parentalidade Positiva (incluindo alguns programas de intervenção com pais) fazem referência a estratégias comportamentais que apoiam a utilização de recursos como tabelas de comportamento (como as bolinhas semáforo), a retirada de benefícios, os castigos e timeouts – estratégias opostas ao que se pratica na Parentalidade Consciente.


O que diferencia a Parentalidade Positiva da Parentalidade Consciente, é que a primeira foca-se na modificação de comportamentos ao passo que a segunda foca-se na atitude (mindful) com que o adulto encara o que está a acontecer internamente (interocepção) e externamente (percepção), de forma a calibrar a sua atuação.


Utilizando a definição da Parentalidade Positiva acima referida como ponto de partida, podemos então definir a Parentalidade Consciente da seguinte forma: Comportamento parental baseado no igual valor e no melhor interesse da criança e dos cuidadores, que assegura a satisfação das necessidades de todos. Com um entendimento tanto sobre os seus próprios processos internos, como sobre as origens dos comportamentos da criança e a utilização consciente e autêntica de estratégias baseadas na ciência que promovem a responsabilidade pessoal e que respeitam a integridade da criança, visando promover uma autoestima e relações saudáveis.


Este artigo foi elaborado como o precioso contributo das nossas facilitadoras e psicólogas com formação académica e profissional tanto em Parentalidade Consciente como em Parentalidade Positiva –
Joana Madureira: https://facilitadores.academiadeparentalidade.com/item/joana-madureira/
Jordana Cardoso: https://facilitadores.academiadeparentalidade.com/item/jordana-pinto-cardoso/
Com inputs e apoio de Mikaela Övén e revisão de Elisabete Dias.



1 Para mais informações https://filosofiapositiva.com.br/wp-content/uploads/2020/02/Site_Historia_DP.pdf
2 https://filosofiapositiva.com.br/o-que-e-filosofia-positiva/
3 Para mais detalhes, consulte https://www.positivediscipline.com/
4 “Um dos programas disponíveis em Portugal, é “Os Anos Incríveis” de Webster-Straton (2016), dirigido a crianças dos 2 aos 8 anos e aplicado, por exemplo, no Hospital Psiquiátrico no Porto. O projecto Incredible Years existe até à faixa etária máxima de 12 anos, mas essa versão encontra-se apenas disponível em inglês, podendo ser consultado em www. incredibleyears.com”
5 A evolução da própria Psicologia e o surgimento de Terapias de 3ª geração (anos 90), vieram reforçar cientificamente a importância do foco nos processos internos de cada pessoa, no estabelecimento de relações sadias e em entender as dificuldades humanas de forma mais profunda e ampla (não visível) – superando a díade comportamento-resultado da 1ª Geração desta ciência.