Alternativa à palmada

No passado, já senti aquele movimento estranho no corpo de uma vontade de bater. Já senti muita vontade de gritar e gritei. Já castiguei. Mas sei que um desejo é muito diferente de uma necessidade. E perceber quais as minhas necessidades naqueles momentos, assim como as necessidades da criança, é fulcral. A vergonha e a culpa que já senti como mãe levaram-me a aprender coisas novas e a fazer escolhas diferentes que me fazem sentir muito melhor comigo e com os meus filhos.

Mikaela Övén

Um adulto que bate numa criança pode fazê-lo de forma “inconsciente” – mais em piloto automático – ou pode fazê-lo de forma consciente, acreditando que é a melhor estratégia ou que é “necessário”. Em muitos casos, é uma combinação das duas. Acredito que, em todos esses casos, faltam algumas aprendizagens que vão desde autoconhecimento e capacidade de autorregulação ao conhecimento e aceitação dos possíveis danos na saúde mental e emocional da criança e na relação. 

Para quem já percebeu que bater nunca é necessário, que pode ser perigoso e quer fazer diferente, encontra aqui uma proposta de estratégia que costuma funcionar muito bem para clientes meus. Esta estratégia pode ser praticada no momento em que nos estamos a passar e surge a vontade de bater. Também podemos fazer o exercício em retrospectiva, refletindo sobre uma situação que já aconteceu.

Imagino que possa haver quem ache que existem situações em que fazer estes passos não é possível. No entanto, a meu ver, na esmagadora maioria das situações será sempre possível. E quando isso não for o caso, será possível fazer a posteriori.

Proposta

  • Pára tudo. Em vez de colocar a atenção na criança, presta atenção ao que se está a passar contigo. Que sensações físicas estão presentes no teu corpo? Que emoções estão presentes? Que pensamentos estás a ter?
  • Foca-te por uns instantes na tua respiração. Inspira contando até 4. Retém o ar contando até 7. Expira contando até 8. Repete até sentires que a intensidade das emoções presentes começam a diminuir.
  • Questiona-te sobre o que estás a precisar. Mais controlo? Respeito? Previsibilidade?
  • Questiona-te sobre as necessidades da criança. Será que tem fome? Sono? Precisa de mais autonomia? Liberdade de escolha? Previsibilidade?
  • Volta novamente a tua atenção para as sensações físicas, emoções e pensamentos presentes para ti. Mudaram? Se ainda não for confortável, volta à respiração.
  • Reflete agora sobre o que podes fazer em vez de bater para satisfazer as necessidades presentes e quais os limites que queres comunicar de forma consciente. 
  • Implementa!

Violência não cabe num relacionamento saudável, e isso inclui “a palmadinha”. Entendo perfeitamente que, numa sociedade onde a palmada é regularmente usada e onde muita gente cresceu com ela, ela possa surgir em momentos de desespero. Há momentos mesmo difíceis na parentalidade.

Porém, existe uma grande diferença entre algo que acontece esporadicamente em situações de muita falta de recursos – onde a consciência de que essa ação não é a melhor opção está presente – e a defesa do direito de bater numa criança.

Além de apontar para um risco de deterioração da saúde mental no futuro, a investigação existente demonstra que a palmada NÃO faz bem e NÃO melhora o comportamento a longo prazo. E, no entanto, melhorar o comportamento da criança consta como um dos principais argumentos para a palmada… A palmada também NÃO ensina sobre resolução de conflitos e competências para relacionamentos saudáveis (havendo investigação também nesse sentido).

A vergonha e/ou o medo de estarmos errados leva-nos, muitas vezes, a defender o que foi feito, em vez de pararmos, ouvirmos e refletirmos. E nós podemos quebrar esse ciclo…

Assim, da próxima vez que te chateares com o teu filho, pára e reflete sobre isto:

>> Será que estou em contacto com as necessidades presentes neste momento, as minhas e as do meu filho? Ou será que estou a reagir como resultado de necessidades não satisfeitas no passado?

A melhor forma de vivermos a parentalidade de acordo com as nossas intenções e de proporcionarmos um vínculo seguro aos nossos filhos não tem a ver especificamente com o que aconteceu na nossa infância, mas sim com o significado que demos às experiências da nossa infância. A maneira como nos sentimos em relação ao passado, a nossa compreensão do comportamento das pessoas importantes da nossa vida, o impacto dos eventos no nosso desenvolvimento até a idade adulta — tudo isso é matéria para as nossas histórias de vida. Por isso, ter uma narrativa coerente da nossa história é fundamental para a prática de uma Parentalidade Consciente. 

Que possamos trocar as defesas pro-palmada por conversas sobre o que podemos fazer em vez de bater (e, já agora, gritar e castigar também).

Mia

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