Este amor é incondicional?

É habitual dizermos que sentimos amor incondicional pelos nossos filhos (pelo nosso parceiro, pelos nossos pais, etc.) e depois observarmos que alguns dos nossos comportamentos demonstram que aquele amor, afinal, tem condições.

Amor Condicional e Não Amor

Quando falamos em amor incondicional, instala-se o pressuposto de que se há amor incondicional, então também pode haver amor condicional.

Nós temos uma capacidade inata de amar incondicionalmente. Isso é perceptível em bebés, crianças pequenas e crianças mais velhas até. Independentemente do comportamento dos pais, é como se esse amor incondicional tivesse a ver com um instinto de sobrevivência. Amar incondicionalmente faz com que a criança sobreviva.

Quanto aos pais, a grande maioria sente esse amor incondicional pelos filhos e a grande maioria não consegue traduzir esse amor em atos de amor incondicional por causa de uma série de regras que aplicam à relação que têm com os seus filhos e que podem refletir-se em avaliação, elogios, prémios, recompensas, ameaças e castigos.

Exemplo:

• “Se não tirares uma boa nota, não recebes o que te prometi.”
• “Enquanto não fizeres isto, não falo contigo; não vais de férias, etc.”
• Eu pedi à minha filha para fazer alguma coisa e dou-lhe um castigo porque ela não fez o que pedi. Há aqui uma desconexão. Se ela fizer aquilo que eu pedi, então volto a aproximar-me novamente, só estou a reconectar-me porque ela fez algo.

Nestes casos, o que a criança sente é uma quebra de amor, onde o amor funciona como uma moeda de troca: dá-se e recebe-se amor de acordo com o comportamento. Outros exemplos são as palmadas, o ignorar e os castigos de isolamento (que muitas vezes dizem ser dados por amor). Neste caso, nem é um amor com condições, é um não amor.

Não interessa o que sentimos, interessa o que a criança sente que está a receber e a forma como interpreta os nossos comportamentos e a nossa comunicação (através das nossas palavras, tom de voz e linguagem não verbal).

Como pais temos uma grande responsabilidade porque estamos a condicionar a visão sobre o amor das crianças, e nós próprios sofremos muito com isso na vida adulta, principalmente nas relações românticas. 

“Não é tão importante dizer que sentimos amor incondicional, o mais importante é como é que através dos nossos atos fazemos o outro sentir-se.”

O que é Amor Incondicional?

O maior medo do amor incondicional é que ele possa levar à permissividade, onde a criança faz o que quer e trata-nos como quer. Só que é exatamente o contrário.

Amar incondicionalmente não quer dizer concordar ou dar suporte a tudo o que a criança faz ou diz. Amar incondicionalmente é escolher sentir amor independentemente de qualquer condição (como ela se comporta, o que ela diz ou faz), é uma aceitação radical onde existe igual valor, isto é, as opiniões, emoções, sensações, necessidades e vontades do adulto e da criança têm o mesmo valor. A criança sente que é respeitada, vista, ouvida e reconhecida incondicionalmente.

“Não há nada que possas fazer para eu te amar mais. E não há nada que possas fazer para eu te amar menos.”

A relação pais-filhos é um grande convite de prática de amor incondicional e nesse processo podemos começar também a amar-nos a nós mesmos, novamente, de forma incondicional. Pode ser um processo de cura.

E há aqui um pressuposto: o amor incondicional é bom. Este pressuposto é ativado porque quando sentimos amor incondicional em relação a outra pessoa (à vida, à humanidade, a um animal, etc), é uma sensação incrível. O amor incondicional não é constrangido pelo medo da perda, pelo medo de que algo se possa alterar, etc. O amor incondicional é uma dádiva que damos ao mundo sendo nós o primeiro receptor desse amor. No entanto, se nunca tivermos experimentado amor incondicional na nossa vida, isso pode ser muito difícil concebê-lo.

Este amor é incondicional?

Se olharmos para as nossas relações, conseguimos perceber que há vezes em que o amor incondicional está presente e outras vezes em que não está. Admitir isso é importante, tanto em relação aos filhos como nas relações românticas. Por causa do nosso condicionamento, há momentos em que não conseguimos sentir o amor incondicional que dizemos que sentimos e está tudo bem.

Será por isso interessante refletir se, nos momentos em que estamos com os nossos filhos (o nosso companheiro, os nossos pais) os amamos de forma incondicional ou condicional, ou se é um pouco dos dois.

Podemos até questionarmo-nos:

>> Isto que estou a pensar/a dizer/a fazer vem de um sítio de amor ou de um sítio de medo?

Quando há medo, não há amor incondicional. As duas coisas não coexistem. Por vezes, temos a intenção de praticar o amor incondicional, mas reagimos com amor condicional quando há medo da nossa parte face a algo que o outro está a dizer ou fazer e que não está alinhado com os nossos valores e necessidades.

O grande convite é mantermos a intenção da prática do amor incondicional. E por muito pouca conexão ou por muito medo que possamos sentir em determinados momentos, podemos sempre procurar uma forma de nos conectarmos novamente com a chama de amor que cada um de nós tem internamente.

“Há uma fenda em tudo, é assim que a luz entra.”

Leonard Cohen – Anthem