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Antes de nos lançarmos em grandes investigações sobre as nossas emoções, os significados profundos ou os propósitos das coisas, vale a pena parar um momento e fazer um “check-in” básico connosco próprios.
Muitas vezes, é precisamente neste nível mais fundamental que encontramos respostas para melhorar a forma como nos sentimos — e isso aplica-se tanto a crianças como a adultos.
Num vídeo de Trevor Noah, ele faz uma proposta simples, mas poderosa: antes de nos perdermos a tentar compreender porque nos sentimos tristes, deprimidos ou sem energia, por que não começar por fazermos estas quatro perguntas básicas?
As quatro perguntas
- Dormiste o suficiente? Dormiste bem?
- Alimentaste-te bem? Comeste comida nutritiva?
- Movimentaste o teu corpo? Fizeste algum exercício ou, pelo menos, mexeste-te de forma dinâmica?
- Tiveste momentos para respirar de forma calma e consciente?
Se a resposta a alguma destas perguntas for “não”, começa por aí. Só depois vale a pena avançar para reflexões mais profundas sobre as causas emocionais ou existenciais do que sentes.
Por que é que isto é tão importante?
Estas perguntas remetem-nos para algo óbvio mas que muitas vezes esquecemos: as necessidades mais básicas — sono, nutrição, movimento, respiração — influenciam profundamente o nosso estado emocional.
Faz lembrar a célebre pirâmide de Maslow: se as necessidades fisiológicas não estão satisfeitas, é natural que surjam desequilíbrios bioquímicos que são muitas vezes percebidos através das emoções. Porque as nossas emoções são comunicação bioquímica.
Exemplos do dia a dia:
- Sinto-me cansado e sem energia. — Dormi pouco ou mal?
- Sinto-me irritado ou sem paciência. — Alimentei-me bem? Saltei refeições?
- Sinto-me inquieto ou ansioso. — Será que o meu corpo precisa de se mexer? Passei horas sentado?
- Sinto-me sem vitalidade. — Parei para respirar mais intencional e profundamente hoje?
Quando as sensações físicas são óbvias, esta investigação parece natural. Mas quando sentimos tristeza, ansiedade ou frustração, tendemos a saltar logo para explicações mais complexas, esquecendo de verificar primeiro estas condições básicas.
E com as crianças?
Com bebés, esta investigação é instintiva: está com fome? Com sono? Precisa de mudar a fralda? Precisa de colo?
Mas à medida que as crianças crescem, por alguma razão, deixamos de lhes fazer estas perguntas. Culturalmente, temos a expectativa de que as crianças se comportem sempre de forma adequada e esquecemo-nos de investigar primeiro se as suas necessidades básicas estão realmente a ser satisfeitas. Assumimos que já deviam saber lidar com o desconforto físico ou controlar o comportamento — esquecendo que muitas vezes continuam a reagir às mesmas necessidades básicas insatisfeitas.
Exemplo:
- Uma birra pode acontecer simplesmente porque a criança está exausta ou com fome.
- Uma criança inquieta na sala de aula pode precisar de se movimentar ou brincar.
- Uma atitude desafiadora pode ter por trás um cansaço acumulado.
Quando uma criança pequena se torna irrequieta ou faz uma birra, em vez de concluirmos de imediato que “está a portar-se mal”, podemos perguntar: Estará com sono? Com fome? Precisa de se mexer? Muitas vezes esquecemo-nos de fazer estas perguntas precisamente quando as crianças começam a crescer, porque acreditamos que já “deviam saber comportar-se”.
Um dos livros de parentalidade a chamar a atenção para este tema chama-se Is My Child Misbehaving or Is She Missing Sleep? (O meu filho está a portar-se mal ou está com falta de sono?). Nele são apresentados vários estudos que demonstram como muitos dos comportamentos que facilmente rotulamos de “mau comportamento” — como birras, desobediência ou irritabilidade — estão frequentemente ligados à falta de sono.
Este é um lembrete valioso: antes de assumirmos que a criança “não sabe comportar-se” ou “nos está a desafiar”, vale a pena verificar se as suas necessidades básicas, como descanso, alimentação e movimento, estão realmente a ser satisfeitas.
E os adultos?
Os adultos também tendem a descurar estas necessidades. Perguntas simples como “estás a dormir bem?” ou “tens comido bem?” são frequentemente respondidas com um “mais ou menos” ou “muito pouco”.
No entanto, o facto de o sono, a má nutrição ou a falta de movimento terem repercussões no nosso sistema — influenciando como nos sentimos ou nos comportamos — não significa que exista sempre uma relação direta de causa e efeito.
Exemplo:
- Posso estar triste porque durmo pouco… mas também posso não conseguir dormir porque estou triste ou preocupado.
- Posso não me alimentar bem porque estou ansioso, ou a minha ansiedade levar-me a fazer escolhas alimentares menos saudáveis, ou até a comer em excesso ou a esquecer-me de comer.
Investigar estas questões físicas no dia a dia não implica afirmar que elas estão sempre na origem do problema. No entanto, fazer pequenas alterações nessas áreas pode ajudar — e, por vezes, até desencadear um processo positivo de mudança. Muitas vezes, começar por aqui é mais fácil do que lidar diretamente com camadas mais profundas.
É importante também ter consciência de que para muitas pessoas não é assim tão fácil: dormir bem pode ser difícil por excesso de trabalho ou preocupações financeiras, alimentar-se bem pode estar fora do orçamento, encontrar tempo para se mexer pode parecer impossível para quem vive sobrecarregado, para quem tem rotinas muito exigentes e rígidas.
Por isso, não devemos transformar estas perguntas em acusações (“só te sentes assim porque não sabes cuidar de ti”), apontando o dedo para o facto da pessoa não estar a assumir responsabilidade pessoal por estas questões mais físicas, mas sim usá-las como pontos de partida para refletir:
O que posso fazer? Que ajuda preciso? O que é viável para mim nesta fase da vida?
Uma proposta para fazer em conjunto
Muitas vezes, ganhar consciência disto não significa que vamos mudar algo de imediato, porque, às vezes, este é um processo difícil de alterar.
Este padrão só é muitas vezes interrompido quando há um momento significativo — uma doença, um processo pré-burnout, um comportamento muito desajustado ou agressivo — ou quando a pessoa está num ambiente em que mais pessoas fazem algo diferente.
Fazer esta investigação sozinho já é valioso. Mas pode ser ainda mais transformador partilhá-la com alguém: um amigo, um parceiro, um colega. Perguntem-se mutuamente:
- Como está o teu sono?
- Estás a alimentar-te bem?
- Tens-te movimentado?
- Tens tirado momentos para respirar com calma?
E se a resposta for “não” em alguma delas, pensem juntos em pequenos passos para melhorar, antes de partirem para reflexões mais profundas.
Em resumo
Estas quatro perguntas são um convite a voltar ao essencial. Às vezes não conseguimos mudar tudo de imediato — e não faz mal. Mas ganhar consciência e dar pequenos passos já pode fazer uma grande diferença. Tanto para nós como para as crianças de quem cuidamos.
Antes de te perderes em teorias e grandes análises, para um momento e pergunta-te: Como estão as minhas necessidades básicas? Como estão as necessidades básicas do meu filho?
E começa por aí.
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