A vergonha é boa ou má?
Tendemos a olhar para a vergonha como algo negativo, corrosivo e algo que queremos evitar. Muitas vezes, não fazemos determinadas coisas para evitar sentir vergonha e quando sentimos vergonha fazemos de tudo para nos livrarmos dela. No entanto, há uma frase de Marshall Rosenberg que diz: “Nunca faças nada para evitar vergonha.”
Por isso, o convite é sermos detetives de quais são os nossos movimentos à volta da vergonha para criarmos coragem para estar e viver com esta emoção.
A vergonha é boa ou má?
Talvez a maior parte das pessoas responderia em primeiro lugar que a vergonha é má. Só que ela é uma emoção como qualquer outra. Se nós dizemos que as emoções não são boas ou más, que são uma espécie de mensageiras, então a vergonha nem é boa nem má. Podemos é nos relacionar com ela de uma forma que é agradável ou desagradável, que nos faz bem ou que nos faz mal.
Quando sentimos vergonha?
Exemplo:
- Quando fazemos alguma coisa que os outros dão como moralmente errada;
- Quando fazemos uma coisa da qual nos arrependemos;
- Quando nos sentimos menos do que os outros, com sensação de insuficiência;
- Quando nos atrapalhamos;
- Quando fazemos algo inconscientemente e somos apanhados;
- Quando fazemos alguma coisa que motiva o riso dos outros porque caímos, porque nos sujámos, porque deixámos cair alguma coisa, etc.
De onde vem a vergonha e porque é tão desconfortável?
A vergonha é desconfortável porque é muito física. São poucas as emoções que são tão físicas e têm tantas expressões da linguagem não-verbal (exemplo: ficar vermelho). Ela é parte biológica e parte cultural.
Parte Biológica
É uma vergonha mais natural que nos fala da nossa vulnerabilidade. Quando se estuda a vergonha de forma antropológica, vemos que ela funciona como uma estratégia de sobrevivência para nós sermos protegidos pelo nosso grupo. Quando sentimos vergonha, arriscamo-nos a ser expulsos e ela condiciona o nosso comportamento para ele ser adequado e para nós pertencermos no grupo. É uma vergonha natural e protetora. A parte biológica é transcultural e independente da cultura em que crescemos. Também existe no mundo animal.
Exemplo:
Numa determinada situação, tenho muito medo e a minha reação fisiológica é urinar pelas pernas abaixo. Se as outras pessoas não sentiram medo, é normal eu sentir vergonha porque as pessoas aperceberam-se da minha reação, do meu medo. Isso em princípio iria acontecer independentemente da cultura em que estou.
Parte Cultural
É uma vergonha culturalmente imposta. São as normas, regras e formas de estar numa sociedade onde ela funciona mais como um mecanismo de controle. É muito utilizada na educação das crianças para reprimir e corrigir comportamentos.
Exemplo:
- Um pai/mãe que diz ao filho: “Devias ter vergonha”
- Uma pessoa que deixou escapar um arroto e que sentiu vergonha por fazê-lo à frente de pessoas. Haverá culturas em que o facto de arrotar não despoleta essa emoção.
Qual é o propósito da vergonha?
O propósito maior é ajudar-nos a sobreviver como seres humanos, garantir o nosso lugar no grupo, garantir que podemos e merecemos fazer parte.
São 3 as necessidades que estão na sua base. Podem eventualmente estar presentes mais necessidades, no entanto, normalmente uma ou várias das necessidades seguintes estão presentes nas situações em que sentimos vergonha:
- Necessidade de aceitação
- Necessidade de pertença
- Necessidade de dignidade
Exemplo:
- Quando eu não me sinto aceite, sinto vergonha;
- Quando eu sinto que não pertenço, sinto vergonha;
- Quando eu sinto que perdi a minha dignidade, sinto vergonha.
Quando estas necessidades ficam postas em causa, muitas vezes a resposta é sentir vergonha e escolher estratégias para sermos aceites, pertencer ou recuperar a nossa dignidade.
“A vergonha é informação sobre a não satisfação das necessidades de aceitação, pertença ou dignidade.”
Mikaela Óvën
Sentimos vergonha porque somos seres sociais
Não é suposto vivermos sozinhos/as. É suposto pertencermos, e para pertencermos, precisamos também de ser aceites e de sentir que há um respeito pela nossa dignidade. Por oposição, podemos dizer que se formos um ser antissocial, tenderemos a sentir menos vergonha.
Se olharmos para a vergonha como algo valioso, lembramo-nos de cuidar das nossas conexões.
Exemplo:
Quando o meu filho sente vergonha, torna-se muito agressivo e acusador. Diz coisas como: “Mamã, tu deverias ter feito alguma coisa”; “tu não deverias ter feito aquilo”.
Se ele se engana ou faz uma figura qualquer numa situação social, o movimento dele é de raiva e culpabilização dos outros. Nessa situação, enquanto mãe, é fácil sentir-me injustiçada, dizer que ele não tem razão, tentar corrigi-lo, castigar, defender-me ou justificar a situação. No entanto, se eu me conectar com o facto dele estar a sentir vergonha e de, naquela situação, ele se calhar não se estar a sentir aceite, digno ou não estar a sentir que pertence, isso permite-me cuidar da conexão que tenho com ele.
A partir do momento em que se restabelece a conexão, o problema inicial continua a existir mas já não há um fervor emocional à volta dele.
Quando não nos lembramos disso, acabamos por sentir vergonha.
Exemplo:
O meu filho começa a gritar comigo e diz-me coisas nada simpáticas que as outras pessoas ouvem. Eu também começo a sentir vergonha porque sinto que perco a minha dignidade como mãe e reajo a partir da minha vergonha em vez de cuidar da conexão com ele.
Em resumo…
A vergonha não é boa nem má, fala-nos de necessidades importantes para nós enquanto seres sociais: aceitação, pertença e dignidade. Quando sentimos essa emoção, podemos explorar qual a necessidade por detrás dela de forma a escolhermos as melhores estratégias para nutrir essas mesmas necessidades. Também podemos olhar para a Bússola das Necessidades
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