Reflexões sobre obediência

Quando alguém nos dá uma ordem – alguém que normalmente tem um poder hierárquico acima do nosso ou tem uma espécie de autoridade mental e emocional sobre nós (pai, mãe, alguém mais velho na família, o capitão dentro de uma equipa desportiva, etc.) – e nós obedecemos, então cumprimos aquilo que nos foi ordenado. A questão é: Essa ordem viola os nossos valores? Essa ordem viola a nossa integridade ou a integridade de outra pessoa?

É impossível termos as mesmas opiniões em relação a tudo. E há uma forma de comunicarmos uns com os outros para chegar a algo que seja melhor para todos. Não estamos a fazer um favor aos nossos filhos quando dizemos por exemplo algo como: “Primeiro obedeces à ordem e depois questionas”. Sendo que a intenção de quem o diz poderá talvez ser a de criar ordem (por oposição ao caos), essa afirmação é altamente problemática. Seria mais útil ensiná-los a questionar de uma forma respeitadora, que não fere a integridade do outro e que defende a sua própria integridade.

Obediência VS Colaboração

Podemos ter como intenção que uma determinada pessoa nos obedeça (um filho, um colaborador na empresa, um membro da equipa) ou ter a intenção que a pessoa colabore connosco. É uma diferença fundamental.

Quando queremos que as pessoas obedeçam, há a ideia de se querer que as nossas instruções sejam cumpridas independentemente do resto, porque nós somos a autoridade. Quando falamos em colaboração, ela apenas acontece quando temos intenções ou objetivos comuns bem definidos e para os quais houve concordância, sendo o foco a pergunta:

  • Quais são as nossas intenções comuns ou as que vamos ter a partir de agora?

Para isso, é necessário passar por um processo que muitas vezes é de influência e negociação até chegar a um objetivo comum para depois se unirem os esforços para chegar lá. E nesse processo de chegar lá, muitas vezes é mais eficiente quando existe um líder que pode assumir a responsabilidade da tomada de decisão.

Enquanto cidadãos do mundo, é fundamental que nós e os nossos filhos aprendamos a colaborar quando isso é saudável para nós e para os outros. E aqui, ser saudável para nós não significa necessariamente ser aquilo que queremos. Quando há um ambiente de colaboração, podemos colaborar e fazer coisas que não são realmente o que queremos fazer.

Exemplo:

A criança come com os pais à mesa mas o que queria mesmo era comer à frente da televisão.

Quando há um ambiente de colaboração, isto é, quando há a sensação de que estamos a fazer algo por livre e espontânea vontade, quando existe uma certa flexibilidade, a probabilidade da criança querer colaborar aumenta muito.

No que diz respeito à obediência, ela por si não é boa nem má.

Exemplo:

Alguém diz à criança/pessoa: “Vai ao frigorífico buscar os cogumelos.”

Quando a criança/pessoa vai, há uma obediência. No entanto, não é uma obediência cega, ela baseia-se numa colaboração para confecionar a refeição para a família e a pessoa que está a cozinhar necessita dos cogumelos. É uma obediência informada e consentida e está baseada numa relação onde existe igual valor e colaboração.

Isso pode ser desafiante numa relação em que uma das partes não quer colaborar e onde a obediência assenta em: “Estás na minha casa e vais fazer o que eu mando”.

Colaboração e Cooperação

O nosso convite assenta na colaboração e cooperação voluntária.

Tendo em conta os ensinamentos da Parentalidade Consciente, quando se está num modelo mais tradicional, hierárquico e de obediência, a criança está fora do círculo, não fazendo parte dele se não se comportar exatamente da forma que é esperada. Por outro lado, quando há permissividade, a criança está no centro do círculo e tudo gira à sua volta e das suas vontades. O terapeuta familiar Jesper Juul costumava dizer: “Uma criança que sente que está sempre no centro, não se sente parte do todo”. E quando não nos sentimos parte do todo, também não sentimos a vontade de colaborar naturalmente. A alternativa passa então por estarmos juntos no círculo (onde a figura do líder está presente) permitindo que a criança (o colaborador, etc) se sinta parte com a clara percepção que o seu contributo é importante para o círculo.

Quando percebemos que o nosso contributo é importante e apreciado, não temos tanta necessidade de estar constantemente a defender a nossa integridade, de estar do contra ou de questionar os pedidos que nos são feitos. Quando sentimos que temos de estar constantemente a lutar pela nossa integridade, temos uma maior necessidade de questionar qualquer pedido de outras pessoas, mesmo que não sejam uma ordem.

Exemplo:

Usando o exemplo anterior, a criança/pessoa poderia responder algo como: “Por que é que tenho de ser eu a ir buscar os cogumelos?”, “Eu nem gosto de cogumelos!”

Se obedecer não é bom nem mau, o que se questiona aqui é se a obediência é cega ou forçada ou se, pelo contrário, é instruída e voluntária.

Quando estamos todos no círculo, existe uma confiança base de que o líder nos quer bem. Isso permite que, numa situação de crise, em que o líder pode precisar de dar uma ordem, a probabilidade de sucesso dessa ordem aumente nesse tipo de relação.

A ter em conta

  • Muitas pessoas cresceram em grupos onde a obediência era muito procurada. Se calhar cresceram numa família em que um dos pais ou ambos eram muito autoritários e diziam coisas como: “Vais fazer porque eu mandei”; “Eu é que sou a mãe”; “Tu não tens quereres”; “Tu és só uma criança”. Se calhar tiveram muitas experiências deste género no seu percurso escolar. Talvez no serviço militar. Depois trabalharam em empresas onde é premiada a obediência e onde a desobediência (que por vezes é um simples questionar) é transformada em rótulos como “esta pessoa é do contra”. E quando essas pessoas ouvem falar em colaboração, podem até ficar um pouco assustadas.
  • A maior resistência à colaboração que se encontra é de quem nem sequer experimentou uma vez comunicar de forma diferente e que acha que a autoridade é ganha por causa de uma certa posição hierárquica, idade, género, título, eleição, etc. No entanto, a autoridade ganha-se pela forma como nos relacionamos com outras pessoas. E quanto mais os outros se sentem respeitados por nós, mais autoridade temos. Quanto mais conseguimos colaborar com os outros, mais autoridade temos.

Obediência VS Pensamento Crítico

Como já referimos, a obediência em si não é boa nem má. Depende a que é que estamos a obedecer, a quem estamos a obedecer, se temos a capacidade de termos pensamento crítico sobre o que nos está a ser pedido e se temos espaço para isso acontecer.

Exemplo:

Em casa, se não fizer algo, sou castigado.

Na empresa, se não fizer algo, sou despedido.

Isso leva-nos a refletir sobre o apelo à desobediência. A desobediência por desobediência também não é um exercício de pensamento crítico: “Eu não vou fazer isso porque me mandam.” É uma atitude que na sua base tem a mesma natureza de que: “Eu fiz porque me mandaram”. Em ambas há ausência de reflexão crítica.

E quando não existe essa liberdade de usar pensamento crítico, porque estamos simplesmente a reagir, a seguir vamos criar uma narrativa que justifique a razão por não estarmos a fazer algo. Só que o apelo à desobediência também não é um apelo à colaboração.

Se temos valores como colaboração, se temos como intenção contribuir para um mundo onde a maioria das pessoas se podem sentir seguras, cuidadas, amadas, autênticas e responsáveis, então apelar à desobediência simplesmente não encaixa.