Os filhos também dão colo

Há um lugar especial onde todos gostamos de estar. Um lugar mágico onde podemos ser quem somos. Um lugar seguro onde o amor prevalece sempre e onde a ternura comanda. Um lugar eterno onde todos somos crianças. Um lugar onde podemos sempre voltar
sabendo garantidamente que será sempre nosso: o colo de uma mãe. Por mais voltas que a vida dê, ali no calor do aconchego, sabemos sempre que temos um porto seguro onde podemos atracar o nosso barco na maior das tempestades ou na mais serena das marés. Colo de mãe é sempre lugar de sintonia de almas e resgate de fé. Ali não há medo de ser perene ou incompleto porque ali todos somos inteiros e eternos. Mesmo que não seja possível voltar lá fisicamente, sabemos sempre que basta fechar os olhos para voltarmos à nossa origem e ao nosso ninho de amor.

Entre o lufa lufa da vida, esquecemo-nos muitas vezes disto. Que todos nascemos desse lugar de luz. Esse lugar onde todas as nossas sombras se iluminam e os nossos medos se apagam. E esse esquecimento pode ser muito cruel quando somos adultos e nos tornamos
pais. Cruel para nós e para os nossos filhos.

Tal como nós durante toda a vida, também eles precisam sentir que têm esse lugar mágico que convida à autenticidade e à empatia, como nenhum outro. E esse lugar pode estar num olhar, num gesto, num sorriso ou num momento. No meio de tantos desencontros da vida, é sempre aquele lugar de encontro.
E muitas vezes só o sabemos receber e também dar se primeiro nos encontrar-mos a nós mesmos. Se primeiro nos permitirmos ser e sentir nós. E quem melhor para nos nos desafiar a viver essa nossa verdade do que uma criança?
As crianças são seres sábios e inspiradores, com uma visão do mundo muito bonita e salutar. E se soubermos estar atentos para partilhar com elas das suas aprendizagens, nós podemos receber mesmo muito.
É que os filhos também dão colo.
Tantas vezes recebo esse colo do sorriso maroto e o abraço terno da minha filha de dois anos.
Tantas vezes que aqueles olhos brilhantes me dizem “gosto tanto de ti” de um jeito tão especial! Um jeito tão pleno e inteiro que me chega a provocar, por vezes, inibição por crenças limitadoras de não merecimento. É como se uma vozinha cá dentro me dissesse “tu não mereces tanto amor! Fazes tantos disparates enquanto mãe!” E por vezes custa mesmo silencia-la! Mas são apenas dores da infância que voltam tantas vezes para assombrar o nosso modo de ser mae, mulher, esposa, amante, profissional, filha…
Por isso, cada vez é maior a importância de recebermos colo também, de fazermos as pazes com o o nosso passado. O que significa muitas vezes saber dar colo primeiro à primeira criança da nossa vida: a que todos temos cá dentro.
Quantas vezes não recusamos mostrá-la, escondendo o que acreditamos serem fragilidades, pieguices, vulnerabilidades e sensibilidades em excesso… Quantas vezes não nos sabemos aceitar e amar! E quando nos tornamos mães, vêm os nossos filhos tantas vezes mostrar-nos que é hora de finalmente nos vermos; mostrar-nos que nos veêm com outros olhos: muito mais doces e muito mais ternos, que nós insistimos em não querer ver que existem.

Há uns dias o meu filho de seis anos desabafava “Estou farto desta família”! E embora a minha respiração parecesse ter parado por uns segundos, rapidamente percebi: Ele precisa de colo!
Sim, porque aquele grito de raiva também era uma forma de pedir ajuda, de expressar um limite. E a aceitação das emoções deles e das nossas também são uma forma de dar colo.
A maior parte das vezes os seus momentos emocionais mais desafiantes podem ser uma maneira de as crianças nos dizerem que já não estamos a comunicar com elas de modo consciente, que passamos de uma óptica de colaboração para uma de obediência, por exemplo. Isto acontece quando falamos mais alto, quando damos ordens em vez de perguntarmos ou de manifestarmos as nossas vontades, necessidades ou intenções…deixando espaço para eles exporem também as deles.
Nestes tempos em que passamos muitas horas com os filhos e os companheiros em casa, onde o nosso mundo se reduziu drasticamente a passar de umas divisões para outras entre quatro paredes, várias vezes ao dia, torna-se mais desafiante uma comunicação consciente.
Muitas vezes a nossa comunicação vai ser reflexo do nosso estado interior, e nesta fase, esse estado pode ser de muita agitação, turbulência, com emoções à flor da pele…
Emoções essas que aumentam ainda mais quando achamos por bem contê-las e camuflálas quando as consideramos menos simpáticas de deitar para fora como a raiva, o medo ou a tristeza.
Sei que os desabafos do meu filho são grandes contributos para as minhas aprendizagens enquanto mãe e mulher; sei que os sorrisos e abraços da minha filha me alertam muitas vezes para a importância do meu auto-cuidado e de uma auto-estima equilibrada; sei que
a super energia dos dois quando a minha está em baixo me desafia a perceber que talvez aquele “não” até se possa transformar num “sim” quando me convidam para jogar à bola e sei que os olhos brilhantes e cheios de vontade de viver de ambos me lembram-me o
quanto tenho a agradecer à Vida pelo seu colo.
Sei tudo isso porque também sei que os colos podem ter as mais variadas formas. Podem ser colos de mais ou menos energia. Colos de mais ou menos calma. Colos de mais ou menos silêncio.

Mas sei que serão sempre, sempre colos de Muito Amor.

Por Augusta Dantas