Confissões de uma ex-mãe de palmadas

de Inês Salema

Por estes dias assisti um vídeo nas redes sociais que me inundou de revolta. Nele, o que parecia uma educadora ou auxiliar de educação, vigiava uma menina que se pretendia que limpasse uma mesinha. Quando a menina parava ou se recusava, a senhora baixava-lhe as calças e dava-lhe umas valentes palmadas. A menina chorava e chorava e retomava por breves momentos a tarefa que lhe fora imposta até tudo se repetir, de forma cada vez mais violenta.

Verdade seja dita, não consegui assistir até ao fim. Aliás, suspeito que, não fosse o facebook começar a rodar os vídeos assim que passo por eles na timeline, não teria visto de todo. Faz-me mal e, do mesmo modo que prefiro evitar constipações, prefiro evitar alimentar sentimentos negativos em mim…

Contudo, ao ‘fugir’ daquelas imagens, deparei-me com os comentários. Comentários de quem prometia ‘fazer e acontecer’ à mulher se a tivesse à frente. Comentários tão violentos quanto o vídeo. E foi então que tive um insight: o que é que estaríamos a fazer de diferente daquela mulher agindo assim?

É verdade que assistir àquele comportamento me causou repulsa e compreendo o lugar de onde vem a raiva que nos impele a fazer, com as nossas próprias mãos, uma justiça (que é mais justiceira do que justa), mas… O que aconteceria se todos nós fossemos fimados nos pontos mais baixos das interacções que temos com os nossos filhos? Não causaríamos tanta revolta como a que sentimos ao ver imagens dos outros?

Eu já fui uma mãe de palmadas. Até diria que já fui uma mãe de bastantes palmadas. Durante anos não me passou sequer pela cabeça que pudesse disciplinar os meus filhos de outra maneira. Apenas era assim… porque era. E acabo por me questionar… O que teria acontecido se eu própria tivesse sido filmada nesses momentos nada bonitos da minha relação com os meus filhos, exposta na internet e ameaçada, ao invés de ser acolhida com compaixão, instruída quanto a possíveis alternativas e desconstruída nas minhas crenças? Talvez eu pudesse, afinal, ser a mulher do vídeo…

O facto de ter escolhido um caminho diferente – o da parentalidade consciente – só aconteceu em virtude de uma tomada de consciência pessoal, de muito estudo, de muito trabalho interior e de ter procurado AJUDA.

Por isso e depois de toda esta reflexão, o meu comentário àquele vídeo, se o tivesse deixado, seria ‘O que será que podemos fazer, individualmente e enquanto sociedade, para equipar esta pessoa com recursos que lhe permitam fazer diferente da próxima vez?’

Desde então guardo comigo essa pergunta, para a fazer e utilizar nos momentos em que eu própria, agora não mais mãe de palmadas, mas ainda mãe de alguns gritos e ironias, me perco do caminho que conscientemente escolhi: o que é que eu posso fazer para me equipar ou aceder a recursos que me permitam fazer diferente da próxima vez?