O rapaz maravilha que de manhã está em câmara lenta

Guilherme, 4 anos demoraaaa a levantar-se da cama. “ Guilherme, levanta-te” Demoraaaaaa a tomar o pequeno almoço. “ Anda Guilherme come, vais chegar atrasado!” Demoraaa a vestir a roupa e a bata da escola. “ Guilherme despacha-te” Demoraaaa a calçar os sapatos. “ Guilherme! Uhuuuu!!!” Demoraaaaa a sair de casa para ir para a escola. “ Guilhermeeee anda, anda! O pai já está no elevador.”

São assim as nossas manhãs, em câmeraaaaa lentaaaa.

Eram assim as nossas manhãs. E provavelmente assim são as vossas manhãs.

Este é o momento de parar. Parar e respirar profundamente e olhar como observador, sem julgamento para toda a dinâmica da manhã.

Foi o que eu fiz, e reparei que o meu filho estava a tomar o pequeno-almoço vidrado nos desenhos animado em modo estátua-que-não-come e eu gritava “despacha-te”.

Tivemos obras durante um mês na cozinha. Todas as refeições nem sei bem como, começaram a ser feitas no sofá a ver televisão. O pequeno almoço também. Nos dias de escola, como é óbvio, o Guilherme queria ver televisão de manhã, o que tornava tudo muito complicado e ainda mais lento. “Come, vou desligar a televisão! Despacha-te Guilherme!”. Comecei a imaginar um adolescente obeso que comia em frente à televisão e nem percebia a quantidade de comida que estava a ingerir. Nem o quê.

Além disso, eu passava o tempo todo a ameaçar desligar a televisão, o que era muito pouco consciente da minha parte e não era de todo uma consequência natural do facto de ele não estar a comer.

A Parentalidade Consciente usa algumas ferramentas que nos ajudam a perceber melhor as necessidades que os nossos filhos precisam de sentir preenchidas e que muitas vezes ficam perdidas no seu comportamento, que é o maior foco de outras formas de educação.

Um dos métodos que gosto de utilizar é o método LASEr do Pedro Vieira. Este método define 4 cores de personalidades-tipo às quais correspondem necessidades predominantes (ver detalhe no livro “Educar com Mindfulness” de Mikaela Oven). Através deste método, percebi que o Guilherme tinha uma energia vermelha pois é uma criança que adora elogios e valoriza ser o melhor em tudo o que faz. Tem uma personalidade forte e uma grande necessidade de importância e reconhecimento.

É também uma criança verde, que valoriza muito os momentos em família, precisa da sua dose extra de mimos e carinho e preocupa-se muito com o bem-estar dos outros. Sofre quando as conexões são quebradas pois tem uma grande necessidade de conexão e pertença.

Decidi olhar para todo o cenário sem julgamentos e principalmente com as minhas intenções como mãe em mente. [pullquote align=”right” cite=”Joana Laranjeiro” link=”” color=”#39a9ba” class=”” size=”14″]A primeira coisa a fazer quando somos pais é escrever as nossas intenções para que sirvam de mapa e apoio em qualquer situação. Permite-me perguntar “gritar com o meu filho, está de acordo com a minha intenção enquanto mãe?” e sentir a resposta imediatamente[/pullquote] Avaliando a situação à luz das nossas intenções e das necessidades do Guilherme decidimos mudar as refeições para a cozinha, onde não há televisão. Explicámos ao Guilherme o que iria acontecer e fizemos um jantar de inauguração onde ele foi o primeiro a escolher o seu novo lugar. Foi a primeira refeição em família na cozinha!

O Guilherme passou a preparar orgulhosamente o seu pequeno-almoço, o que desenvolveu entre nós a cooperação e a confiança através das tarefas da manhã.

Confio que ele prepara o pequeno almoço sozinho e todos cooperamos para tomarmos o pequeno almoço juntos o que cria um momento de ligação e pertença logo pela manhã.

Quando o vou acordar, respeitando o seu lado verde que adora conexão, fico um bocadinho com ele deitada na cama a dar miminhos e a perguntar como foi a noite. Para o tirar da cama, apelo ao seu lado vermelho:

“- Guilherme, vamos ver se chegamos à cozinha e preparamos o pequeno almoço antes do pai sair do duche? Achas que conseguimos?

– Claro que sim, eu sou um pirata. E um gato.”

Troquei o “despacha-te” por instruções mais simples e claras. Tento dizer o que quero que o Guilherme faça e não o que não quero. Em vez de “Agora não é para brincar com os legos” digo “Calçar os sapatos, pirata Guilherme!”

Deixo-o escolher pelo menos uma peça de roupa e ter influência na ordem como fazemos a rotina matinal para sentir a sua opinião vermelhinha reconhecida e validada.

“vamos chegar tarde à escola” não funciona lá muito bem comigo. Para já porque ele tem 4 anos e é mais interessante ficar na cama mais um bocadinho do que chegar “a horas” à escola. Descobri recentemente que se lhe colocar um desafio de estarmos prontinhos com o casaco vestido para sair de casa antes do ponteiro dos minutos chegar a um certo número torna tudo mais divertido. Ele adora ir a correr para a cozinha, olhar para o relógio e dizer “Ainda falta um bocadinho, vamos mamã, vamos. Vamos conseguir.”

Este truque guardo para emergências nos dias em que é mesmo preciso chegar a horas. Nos outros dias é seguir atentamente as pistas do Guilherme e quando dou por mim estamos a sair de casa.

Foi assim com um pequeno-almoço especial que o meu rapaz maravilha de manhã ganhou um turbo.

Joana Laranjeiro

One thought on “O rapaz maravilha que de manhã está em câmara lenta”
  1. Gostei muito porque me identifico com esta realidade…estou sempre a apressar a minha princesa e percebo que o conceito de despachar para chegar a horas não lhe diz nada. Fico facilmente em stress e aborreço-me com ela. Claro que tudo passa com um beijinho quando finalmente a deixo na escola…mas confesso que novas estratégias para melhorar as manhãs e os finais de dia são bem vindas. Obrigada pela partilha