Onde é que a criança deve dormir?

Olhar para a parentalidade através dos olhos de pais de outros países e outras culturas tem-me aberto muito a minha mente e tem desafiado várias crenças e práticas às quais estava habituada.  Ao mesmo tempo que existem alguns standards universais de acordo com os quais eu acredito que uma criança deveria ser tratada, também existem várias formas de ser uma boa mãe ou um bom pai.Uma das práticas mais discutidas na nossa sociedade está relacionada com onde é que a criança deveria dormir. Parece-me que quanto mais poder económico, mais importância se dá a esta questão e mais se acredita na importância da separação entre filhos e pais na hora de dormir.

Antes de mergulharmos em argumentos da psicologia sobre se as crianças deveriam dormir com os pais ou não, que é o que normalmente se faz, é interessante envolvermos a antropologia. Na minha infância, passei os meus Verões em Montenegro (o país de origem da minha mãe), um país europeu (da ex-Jugoslávia), com bastante menos poder económico que os restantes países na União Europeia. Lembro-me bem que eu e a minha irmã éramos as únicas entre os primos que tínhamos um quarto cada uma. Algo que os nossos primos invejavam. Nas minhas viagens pela Índia, visitando muitas famílias de castas baixas, dúvidas em relação a onde as crianças devem dormir não existem. Todos dormem em tapetes no chão, no mesmo (e normalmente o único) quarto.

Aliás, na maioria dos países não-Ocidentais, bebés e crianças pequenas dormem com os seus pais (na mesma cama ou no mesmo quarto). É apenas em países industrializados no Ocidente que se tornou realmente importante separar as crianças dos pais. Num estudo (Barry, H., & Paxson, 1971) de 186 sociedades não-industrializadas, 46% das crianças dormem na mesma cama que os pais e 21% numa cama diferente, mas no mesmo quarto.  Ou seja, 67% das crianças dormem em companhia de outros. Nas 186 culturas estudadas, em nenhuma as crianças dormem separadas dos pais antes de 1 ano de idade. Sendo o estudo de 1971 acredito que os números antes eram maiores, e depois provavelmente menores.

Além disso, estudos recentes demonstram que há mais pais a praticarem ‘co-sleeping’ do que aqueles que o admitem publicamente e curiosamente os números no Ocidente parecem estar a aumentar.

Então e os argumentos da psicologia? Pois, há estudos que demonstram os ‘perigos’ do ‘co-sleeping’* e há estudos que demonstram as consequências da separação precoce…. Muitas das vezes, ambos os lados falam dos mesmos riscos, a falta de autonomia e de independência. Nas minhas observações em alguns países diferentes, e soluções diferentes, nunca consegui traçar uma ligação entre maior autonomia e independência e o sítio onde a criança dorme (mas vi uma ligação clara entre autonomia, independência e confiança por parte dos pais nas capacidades da criança). Embora não cientifica, acredito que a amostra é significativa.

Ufa… e agora… o que fazer?! 

Talvez te perguntes como é na minha família?… Não, neste momento não praticamos co-sleeping! Eu pessoalmente prefiro que os meus filhos com a idade e o tamanho que têm durmam nas suas camas, nos seus quartos. O mais novo, que partilha o quarto com o irmão, nem sempre está de acordo. Essa minha preferência tem apenas a ver comigo (e o facto de eu ter mais quartos em casa!)… não está baseada em estudos, medos, crenças, receios e comentários dos outros…

A mensagem que te quero passar é esta:
Alguns dormem com os filhos, outros não. Não é certo, nem errado colocares o teu filho a dormir no seu quarto aos 6 meses. Nem é certo ou errado o teu filho com 5 anos durma contigo. Tudo depende das tuas intenções e das necessidades da família. Faz o que te fizer mais sentido, faz o que sentes melhor para ti e para o teu filho. Agora. A decisão que tomares hoje, não impede uma decisão diferente no futuro. Necessidades, vontades e ideias, mudam. E está tudo bem. Esquece os argumentos pró e contra. Esquece as escolhas dos outros e sente-te bem com a tua! Juntos ou separados, tenho a certeza que se estiveres a fazer uma escolha consciente e congruente, vai correr tudo bem.

*co-sleeping é quando a criança partilha a cama dos pais ou dorme no mesmo quarto que os pais.

4 thoughts on “Onde é que a criança deve dormir?”
  1. “Faz o que te fizer mais sentido, faz o que sentes melhor para ti e para o teu filho. Agora. A decisão que tomares hoje, não impede uma decisão diferente no futuro. Necessidades, vontades e ideias, mudam. E está tudo bem. Esquece os argumentos pró e contra. Esquece as escolhas dos outros e sente-te bem com a tua! Juntos ou separados, tenho a certeza que se estiveres a fazer uma escolha consciente e congruente, vai correr tudo bem. ”
    É isso! Obrigada! <3

  2. É isto, Mia. Muito obrigada. A minha filha de 4 anos ainda dorme comigo (na minha cama ou na cama dela ao lado da minha) mas eu sinto alguma vergonha de falar disso (por exemplo, na escola).
    Curiosamente ela mesma tem dado sinais de que está na altura de mudarmos o estado das coisas e de ela ter um quarto.
    É uma miuda super independente, embora muito ligada a mim. Não vejo diferenças face ao irmão que teve quarto próprio aos 6 meses, embora viesse para a minha cama sempre que queria.
    Acho que essa é a única regra essencial para mim – que os miudos não se sintam sozinhos e assustados de noite.

  3. Bom, para começar devo congratular a autoria do texto, pois está sucinto e bem descrito. Concordo que está questão vai muito além do certo ou errado,que de facto não existem. Cada família exerce a sua dinâmica da maneira mais saudável que lhe é possível, quer ou sabe.
    A pertinência de nós, psicólogos, termos tendência a dar orientações das crianças dormirem sozinhas ( não obrigatoriamente bebés ou sozinhas num quarto, porque é bem diferente dormir só numa mesma cama ou no mesmo quarto) está mais relacionada, a meu ver, pela necessidade que os pais/ mães têm em se desvincular do seu bem maior. E aqui reside o ponto essencial, vejo todos os dias em consultório famílias que partilham cama sempre com o filho e devido às características pessoais daquela mãe ou pais é que pode tornar-se uma relação de dependência, sem limites, sem espaço para o outro crescer, desabrochar e identificar-se com um ser próprio, autónomo e pensador.
    Porque estes pais de que falo (tendo em conta que a minha amostra é enviesada), por norma são inseguros, frágeis, ansiosos e isso sim, aliado ao facto de se prenderem os filhos a si, como um extensão de si próprios, não os deixando crescer e desenvolver de forma saudável e harmoniosa, para mim esse é o verdadeiro problema.
    Portanto, sim na prática clínica as dois coisas cohabitam.
    Mas esta é apenas a minha opinião enquanto mãe, mulher e psicóloga..
    Andreia Montenegro.

    1. Cara Andreia,
      Obrigada pelo comentário que acho muito pertinente! Gostaria de salientar algumas coisas. Duvido que os pais que descreve consigam ser congruentes, um ponto essencial para termos ‘sucesso’ nas nossas escolhas como pais. E existem pais que necessitam de ajuda (de psicólogos ou outros profissionais) para encontrar a sua congruência e uma situação ideal para o bem estar de todos.
      Obviamente há casos clínicos onde se pode justificar uma separação, baseado no caso específico e não em ideias preconcebidas (e claro que conheço casos assim, tal como refere). Além disso, a questão de dormir nesses casos normalmente é só uma questão (muitas vezes pequena) num quadro muito maior. De qualquer modo, a esmagadora maioria (acredito 99%) dos pais que me procuram com esta questão não são casos ‘clínicos’.
      Infelizmente, vejo muitos conselhos baseados em crenças limitadoras e são esses que quero questionar (e não os conselhos de psicólogos competentes que fazem um trabalho individualizado, específico e profundo com cada família que encontram e evitam passar mensagens baseadas apenas em protocolos ou nas suas preferências e crenças).
      Obrigada por me permitir fazer este esclarecimento!
      <3