A Matemática e o exercício da Autoestima

A Autoestima.

Habitualmente definida como o valor que uma pessoa é capaz de atribuir a si mesma independentemente do resultado do seu esforço.

Entende-se que, se a nossa Autoestima for saudável, não caímos na dependência perigosa da necessidade de um bom resultado exterior para nos permitirmos viver o valor que naturalmente temos.

Estar alerta para as diferentes formas que cada um de nós pode acionar e, desse modo, contribuir para que, crianças e jovens, sejam capazes de admitir para si mesmo o valor que têm, é uma tarefa importante. Algumas estratégias podem não ser tão evidentes e, no entanto, proporcionam perspetivas interessantes e inovadoras.

A Matemática.

A ciência do cálculo, a mestria em trabalhar no abstrato, a capacidade de criar ligações onde não se esperava. É a disciplina tantas vezes usada para libertar frustrações, que permite fazer aparecer sentimentos que se confundem com algum tipo de incapacidade e que, por isso mesmo, conduz com frequência à desistência.

A origem das dificuldades nesta disciplina é diversa e não é propósito deste texto examinar essas questões. Vou partir da premissa que essas dificuldades existem e que o caminho para aprender a ultrapassar essa questão, pode ter uma participação ativa dos pais e educadores facilitando a construção, ou reconstrução, da Autoestima.

Como se ensina um aluno que pode já ter desistido?

A desistência pode ter origem na sensação de que não se é capaz de lidar com a dificuldade sentida ou pode simplesmente haver desistência porque é aceitável abdicar de algo que aos olhos de muitos é complexo. Pode-se desistir por não se sentir capaz de lidar com os sentimentos que surgem, desistir porque se entende que se deveria estar já num outro patamar, desistir porque não se sabe lidar com as inevitáveis, desconfortáveis e, completamente evitáveis, comparações, desistir por não conseguir ter uma perspetiva de sucesso a longo prazo ou desistir por não haver espaço para enfrentar mais desafios. A lista é longa e ficará sempre incompleta.

É necessário, em primeiro lugar, ter presente que a desistência mencionada toma várias formas e, ainda assim, o aluno continua a ser objeto de avaliação sobre algo em que, tantas vezes, apenas temos a sua presença física. A presença física, por si só, não basta. Há vários caminhos que levam a esta espécie de abandono e, em nenhum deles, falamos sobre a dificuldade da disciplina. Falamos sobre a forma como os alunos conseguem relaciona-se com a dita dificuldade.

Entendo que, aprender não é o resultado direto da assimilação do que um professor, mãe ou pai tem a comunicar e sim, da habilidade que o aluno tem de se relacionar com a complexidade que pode surgir. Eu ensino matemática de forma individual e da forma mais personalizada que me é possível, naquilo a que chamo uma equipa formada por mim, pelo aluno e seus encarregados de educação. A equipa tem objetivos e intenções bem definidas e organiza-se de forma a que sejam cumpridos. No trabalho que desenvolvo com o aluno não é prioridade a resolução da equação e sim, a análise do que pode ser feito, no que está ao seu alcance e o que será necessário fazer a mais, ou de forma diferente, de modo a que na próxima aula, a dificuldade sentida possa já ser menor ou até, quem sabe, suportável. Essa análise, em forma de feedback, leva ao reconhecimento de pontos positivos e de pontos merecedores de melhoria sendo do aluno a responsabilidade de definir o que há a fazer a seguir. Segundo a sua perceção do que deve ser aprimorado, ele avalia o que fará sentido fazer, aprender ou desenvolver. Este hábito de produzir a sua própria opinião que, tão saudavelmente, é tantas vezes oposta à minha, proporciona uma confiança crescente na sua visão e uma cada vez maior facilidade em validar, sem concordar, com algo que, pelo menos agora, não lhe faz sentido. Celebramos as atuais conquistas e trabalhamos para as seguintes.

Seguindo os princípios da Parentalidade e Educação Consciente, há um caminho privilegiado que conduz a uma aprendizagem com foco na Autoestima. Garantir que o jovem sente que o seu valor será o mesmo quer consiga resolver a equação ou não, é o começo. Conseguir estabelecer uma comunicação consciente que leve à reflexão e reconhecimento do esforço apresentado, faz toda a diferença para a imagem que o jovem está a criar de si mesmo.

Compreende-se que, espaços de reflexão por si só, não bastam, é necessário que esta interação tenha presente as necessidades emocionais do jovem e que o conduzam não só à ponderação como também, à reformulação e ação, fixando as suas próprias metas. Desta forma, chegar ao resultado deixa de ser a única hipótese de sucesso e surge espaço para o reconhecimento do esforço tido até aqui. Surge espaço para a automotivação e possibilita a individualidade, surge espaço para a aprendizagem sobre escolhas e tomadas de decisão, espaço para a conversa sobre o que está efetivamente a funcionar e o que está a criar algum embaraço, espaço para assumir vulnerabilidade e que está tudo bem em sentir emoções menos agradáveis.  Daqui, é mais claro o caminho para a reflexão sobre as opções que tem para resolver a dita equação e, quase por magia, a repetição automática do “não sei”, começa a ser substituída pelo risco de tentar. E há mais. Conseguir viver as emoções mais difíceis de enfrentar sem se identificar com elas, é uma aprendizagem que fica para a vida.

Conviver com as emoções que nos provocam sensações desafiantes, muitas vezes relacionadas com a noção de falha ou com pensamentos derrotistas, e conseguir relacionar-se com tudo isso de forma mais serena, é um caminho que resulta numa maior confiança em si mesmo, nos seus pensamentos e nos seus atos.

Ao excluir da equação o que nos prende ao resultado, supostamente perfeito, há um ensino baseado na reflexão e automotivação para a posterior descoberta sobre o que é necessário fazer para subir ao próximo patamar. Em conjunto com os pais, que não precisam de dominar os conteúdos das várias disciplinas, há a possibilidade de erguer uma estrutura de valor, uma estrutura que tem por base a criação e experimentação das suas próprias ideias.

Não há um primeiro passo definido e muito menos um segundo. O que há, é uma gradual formação da autoimagem, sustentada numa subida progressiva e sólida de degraus, equação após equação, que terão o tamanho certo para aquele aluno naquele momento salientando que, cabe ao mesmo, o desenho do próximo nível, as próximas metas.

A Matemática é mais uma oportunidade de edificação da Autoestima e de olhar para si mesmo sem rótulos e falsos significados de inteligência.

Um artigo de Fátima Marques