Autoeducação para uma Educação Consciente

Certo dia a Lis colocou na terra cinco bolbos de jacintos. Diariamente os olhava e aguardava a sua chegada, com o mesmo olhar… com o mesmo cuidado os esperava. À terra chegava a água, através de uma rega cuidada e luz vinda do alto para que pudessem estar bem confortáveis e florissem.

Com o tempo foram brotando. Cada um no seu tempo, com coragem e força e assim florindo… Floriram jacintos de cores diferentes, lindos, brilhantes, macios e de cheiros que se faziam sentir a alguma distância.

A Lis, certo dia, observou que as suas hastes eram demasiado frágeis para sustentar a flor que cada uma tinha, então segurou-os com uma estaca e molas… depressa percebeu que eles queriam estar livres para desenvolver e por isso tirou-as e deixou-os soltos e assim continuaram a crescer e a acrescentar vida, carregada de beleza, ao local onde se encontravam. Com o tempo ficaram secos, mesmo assim, mostrando a sua beleza.

… todos floriram menos um, o do centro, foi crescendo mais devagar e de cor bem verdinha com as suas folhas a cumprimentar o sol e sem flor. Já com todos os outros secos, este continuou por muito mais tempo, sem flor mas com um verde luminoso e brilhante. Curioso é que começou a brotar ao mesmo tempo que os restantes e manteve-se vivo muito mais tempo depois de ter acompanhado o envelhecimentos dos outros… no entanto, não floriu, como era esperado.

“Tendo em conta as condições de que dispõe e na medida do possível, é a natureza que faz sempre as coisas mais belas e melhores.”

Aristóteles

Como nos diz Maeterlinch, a flor dá ao Homem o exemplo prodigioso de insubmissão, de coragem, de perseverança, de engenho. Dela brota uma coragem primordial, que advém da vontade, pelo que o Homem que a rodeia apenas pode olhar a sua beleza, contemplar e dar-lhe a oportunidade e espaço para que se crie, se desenvolva, sem esperar nada.

Esta vivência levou a Lis a uma enorme reflexão sobre as plantas e as crianças. Quais as semelhanças e diferenças entre as plantas e o ser humano? Quais serão as necessidades de cada uma?… Cada criança é um Ser único e cheio de potencialidades e nas mesmas condições florescem de modo e a tempos diferentes e a verdade é que alguns podem não florir do jeito que esperam deles, tal como as flores. Pode acontecer ter que colocar a semente novamente na terra e esperar outro ciclo para florescer e mesmo assim nada é certo… certo é que isto pode acontecer no Mundo Mineral, Vegetal, Animal e Humano, pois mesmo que a Natureza de cada um seja diferente cada um tem um propósito para a sua existência e às vezes podem ser vários os ciclos, vidas até à sua concretização.

É sobre a educação que esta reflexão se vai debruçar, com um olhar sobre a infância, as crianças que serão os adultos de amanhã, mas também sobre os que são na atualidade. Só poderemos ter uma nova e melhor humanidade se dela fizerem parte adultos íntegros, harmoniosos e felizes, para isso precisamos que a educação seja permanente, educar as crianças e cada adulto se autoeducar. Assim, visto que não é possível começar do zero e educar as crianças é urgente um trabalho paralelo. Também a intenção não é anular o antes mas que o que vêm que seja novo e melhor. Educar os adultos e que estes possam educar e não formar as crianças. É urgente educar para a Autoeducação para que na relação com os outros possamos estar mais presentes, conscientes e assim geradores de Vida e Amor.

No que toca às crianças, é preciso criar espaços enriquecidos e geradores de saúde para que a criança de desenvolva e cresça de forma adequada e equilibrada e assim gerar igualmente, adultos geradores e potenciadores de um Mundo Novo e Melhor.

“A Educação é a Arma Mais Poderosa que podemos usar para mudar o Mundo”

Nelson Mandela

Winnicott refere que desde o início, a criança mostra que tem as suas ideias e que as crianças não são iguais por isso têm necessidades diferentes. Quando é permitido à criança desenvolver-se pelo seu próprio domínio está a ser facilitado e criado espaço para Ser. E, citando, Garcia, “…a criança é como uma semente, que lançada a terra, pode transformar-se numa planta saudável. No entanto, necessita de cuidados para crescer, pois é um ser biológico que vive num ambiente ecológico e complexo. Portanto, numa abordagem ecológica do desenvolvimento, ainda que vulnerável e lançada a uma terra árida, se encontrar algum auxílio, poderá ser uma sementinha que irá se desenvolver.”

Tal como os jacintos, que querem estar livres para se desenvolver e nos mostrar a sua beleza, cada criança apenas quer ser criança, brincar e ser feliz. Ter a possibilidade de se expressar e Ser. Expressar a sua essência e não ser igual a todas as outras.

Atualmente, e não é novo, encontramo-nos perante uma sociedade que necessita de transformação a partir de algo mais profundo, não pelo acúmulo de riqueza material mas pela expressão dos valores humanos, como o belo, o justo, o bom e o verdadeiro, valores estes que levam a uma sociedade mais integra e harmoniosa. Uma sociedade que se preocupa com o bem-estar atual e das gerações futuras em todas as dimensões humanas e sociais. Uma sociedade que se preocupa em desenvolver plenamente o seu interior e este desenvolvimento advém das pessoas que a constituem.

Apesar de insuficiente, assiste-se a uma maior consciencialização para a necessidade de mudança. Não podemos esperar que ela aconteça, ou comece, ao sistema Macro, ou seja ao nível do Sistema Politico que movimenta todos os sistemas, apesar, tal como nos lembra Aristóteles que este devia ser o maior gerador de bem para os cidadãos. Devemos trabalhar no sentido de que cada ser humano se desenvolva e procure o autoconhecimento e autoeducação por si, para que possa ser melhor, a cada dia, na sua relação consigo, com os outros e com o ambiente que o rodeia.

A Educação contemporânea, em quase todo o Ocidente, não cumpre a sua tarefa de entregar ao indivíduo pautas internas de desenvolvimento. Não desperta nele os germens naturais de vitalidade, nem os valores do íntimo. Não desenvolve os potenciais criativos, a liberdade intelectual, nem a singularidade das aptidões. Não fomenta o esplendor das relações humanas. A educação centrou-se no acúmulo de conhecimento e preparação intelectual tecnológica tanto das crianças e adolescentes como dos educadores, colocando de parte outras dimensões e necessidade do ser humano. É assim, necessário um trabalho, ao nível Micro, ao nível de movimentos que se vão criando para mudar paradigmas e crenças, iniciado já na antiguidade, que agora toma uma forma diferente face à urgência de educar indivíduos humanamente competentes e bem formados, capazes de aceitar desafios, construir e reconstruir teorias. Ser humanos críticos, criativos, solidários, afetivos, éticos e envolvidos no processo de transformação pessoal e social, no sentido da preservação e desenvolvimento de todas as manifestações de vida.

Urge a necessidade de que os educadores iniciem ou reiniciem um trabalho de reflexão no caminho de se conhecerem a si mesmo, permitindo assim encontrar o seu saber e a sua sabedoria, a partir do conhecimento original, das civilizações clássicas que os levará a uma maior abertura, consciência e perceção do mundo e assim poderem facilitar e contribuir para a educação consciente e construtiva das crianças e adolescentes.

São geradores de saúde, da criança, e do adulto, o ritmo, os limites, o ambiente que a rodeia, o movimento e muitos outros dependendo da fase em que se encontra. É o adulto, os educadores, os potenciadores desta saúde que se transforma em força para Ser no Mundo, um ser cheio de virtudes e valores, visto que a criança que agora chega ao Mundo não é independente nem autónoma. Chega cheia de potencialidades e de sabedoria, pois vem do plano espiritual para o plano material, e por isto confia no que a rodeia pois quer reaprender e recrear.

Assim, o adulto para poder educar conscientemente, para ser uma autoridade para a criança, para poder educar com amor, com limites precisa de fazer um trabalho de autoconhecimento. Precisa de se autoeducar. Quanto mais o adulto se conhece a si mesmo, quanto mais desenvolve o seu interior a partir do desenvolvimento das virtudes mais facilmente contribui para uma educação mais consciente que leva ao desenvolvimento de si mesmo e ainda a possibilidade de educar melhor as crianças e adolescentes que tem perante si. As crianças não são suas, na verdade, são apenas o instrumento para se desenvolverem e para deixar evoluir o que a eles se apresenta. A criança é, assim, o livro que todo o adulto deve aprender a ler, uma leitura atenta, cuidada e transformadora. Neste sentido, temos adultos que se autoeducam e adultos que educam para o bom, o belo e o verdadeiro, através de ações constantes no dia-a-dia que advém da vontade de construir-se e contribuir para a construção do Mundo Novo e Melhor. Sabemos que estes arquétipos são a luz que deve guiar cada Ser Humano, são eles que mostram um ideal pelo qual queremos caminhar, sem fanatismos, sem fantasias e sem rigidez. Eles guiam-nos por uma educação mais consciente, leve e cada vez mais presente.

Por Elisabete Ferreira