Os “Bons Esquecidos”

de Fátima Marques

Somos todos mais informados nos dias de hoje. Temos acesso a esclarecimentos sobre os mais variados temas com uma facilidade que seria impensável há alguns anos. Viajamos mais, temos inúmeros canais de televisão e até o Facebook é um importante apoio nestas questões. São mudanças que nos brindam com um maior número de pessoas ao nosso redor com interesses distintos, com formas de viver que nos provocam e desafiam a novas perspetivas.

Eu uso, e abuso, destas técnicas para me manter informada e retirar muitas das dúvidas que tenho.  Adoro ler artigos e pesquisar sobre algo que me tem deixado curiosa e assim, promovo o meu desenvolvimento, mas não estarei a ficar demasiado habituada a respostas rápidas?

A aprendizagem, tal como a parentalidade, requer muita paciência e persistência. Requer que se desenvolvam mecanismos de resiliência e responsabilidade consciente que gerem raízes sólidas para uma vida independente.  A forma como vivemos os nossos dias, como gerimos múltiplas tarefas reduz não só a atenção, mas também a paciência para caminhar, guiados pelos nossos propósitos. A verdade é que quando deixamos de ver a solução já ao virar da esquina, sentimo-nos perdidos e sufocados pelo desconforto de não nos encontrarmos ao mesmo nível que os outros. O que quer que isso seja. Ao passar este sentimento às crianças e jovens, proporcionamos uma sensação de incapacidade e frustração que não é compatível com o que verdadeiramente desejamos.

Enquanto explicadora de matemática, vejo as consequências da necessidade de respostas rápidas todos os dias nas minhas aulas. Assisto à desistência perante as primeiras dificuldades e a apatia para elaborar e experimentar novos caminhos na resolução do problema.

Com a pressa de ter a tarefa concluída, ficam por desenvolver aptidões cuja importância é inquestionável para o futuro dos nossos jovens. Ao deparar-me com alunos que, à beira do ensino secundário, têm dificuldade ou nem sabem como procurar no manual onde poderá estar a possível ajuda para a resolução do seu problema, concluo que existem competências que não foram estimuladas até aqui.

Enquanto a prioridade for a resposta rápida ou a nota do teste, não teremos jovens capazes de criar mecanismos que os auxiliem a ultrapassar ou contornar os desafios que terão. Os pais têm um papel fundamental na prevenção destas situações. Nós, os chamados adultos, devemos domar a natural ânsia de resultados e assumir intencionalmente um “Bom Esquecimento”, deixando-os, guiados por nós, crescer com a calma e serenidade necessárias para aprenderem a resolver os seus problemas.

O “Bom Esquecimento” inclui perder parte da informação com que somos confrontados diariamente, tão útil em determinadas situações e tão prejudicial quando não nos permite esquecer que podemos e devemos falhar. Inclui deixar ir os rankings das escolas, esquecendo a competição e comparação ou o que era suposto estar sabido neste momento, assumindo uma espécie de marcha lenta, olhando aquele jovem verdadeiramente e percebendo o que é necessário fazer por ele, indivíduo único. Os “Bons Esquecidos” preocupam-se com uma aprendizagem significativa e consciente.

Um “Bom Esquecimento” é promotor de confiança, autonomia e da responsabilidade que tanto queremos. De nada vale exigirmos resultados ou atitudes se somos nós, tantas vezes, os responsáveis pelo frágil desempenho. Quando lhes ensinamos a assumir e a escolher o que melhor lhes serve para construírem o seu caminho, eles compreendem que têm esse poder, que é sobre eles e não sobre o que importa aos outros. Ativam o superpoder motivador do “I can do it” e certos ficam de que a solução do problema está neles. E para isso, basta agir com o “Bom Esquecimento”.

Praticar o “Bom Esquecimento” permite-nos entender que temos ao nosso alcance tudo o que precisamos para que os jovens não optem sempre pelo mais fácil, para que tenham prazer no caminho que estão a fazer e não vivam focados apenas no resultado final. Este, por vezes demora, por vezes implica voltar atrás, e está tudo bem, é assim que se encontra a saída deste labirinto.

Os “Bons Esquecidos” gostam de simplesmente estar, para observar e depois agir em conformidade com os seus valores e intenções, não os do vizinho ou os que o Sr. Google defende, porque o caminho de cada um é único e especial. Nas boas famílias esquecidas, constrói-se um ambiente sem respostas rápidas, em que crescer e tornar-se capaz de ultrapassar os obstáculos tem origem no incentivo à autodescoberta e na perceção de que a mudança está acessível a cada um, não imposta, mas guiada.