4 chaves que te vão ajudar a respeitar o tempo e o espaço de cada criança!
A meu ver o tema da retirada da fralda é de debate muito sensível dentro das escolas e também no seio familiar. Na maioria das escolas públicas (talvez em todas!) as crianças apenas ingressam no ensino pré-escolar se não usarem fralda durante o dia, o que pressiona famílias e creches a forçarem a retirada da fralda em crianças que, muitas vezes, não estão preparadas para o fazer. Há em muitas creches grandes treinos de pote/sanita para todo o grupo (?!), como se todas as crianças estivessem no mesmo patamar de desenvolvimento e tivessem as mesmas necessidades.
Nem sempre, enquanto educadora, tive noção desta realidade e foi o meu questionamento constante e o meu interesse pela Parentalidade Consciente que me fizeram subir este degrau. Em tempos, uma criança, que escolhi chamar de P neste artigo, fez com que tivesse de refletir vezes sem conta se estaria a proceder da melhor forma. Durante o tempo em que tentei compreender e ajudar esta criança, muitas vezes, duvidei das decisões que tomava e agora sei que aprendi muito com ele, como explico de seguida.
O P iniciou a retirada da fralda num verão, com dois anos e pouco. Nessa fase, demostrava já grande motivação para isso, utilizava a sanita/pote com muita frequência (rotinas de creche) e mantinha a fralda seca durante quase todo o dia. Em conjunto, família e escola concordaram em iniciar o processo, passando a usar cueca durante o dia, mas, a certa altura, percebi que o P estava a regredir. Começava a negar-se a ir à casa de banho, principalmente quando estava envolvido numa brincadeira do seu agrado. Os acidentes eram constantes e o P passou semanas sem pedir uma única vez para fazer xixi. Quando insistíamos para que fosse à casa de banho chorava e mostrava frustração. Era notório o seu mal-estar e eu não fui capaz de perceber o que estava a acontecer. Perante a situação, a família aceitou que não era o momento certo e eu percebi que a proceder daquela forma não iríamos a bom porto.
Entendi, então, que devia deixar a situação fluir naturalmente e os meses seguintes foram ao ritmo do P, com avanços e recuos, com menos pressão e mais respeito – começava a interessar-me cada vez mais pela Parentalidade Consciente e segui o meu coração. Sem pressões, o P voltou a usar fralda, passou a ir à casa de banho quando pedia e quando aceitava participar na rotina de higiene.
Os meses que se seguiram foram mais tranquilos e eu aproveitei para observar o comportamento dele e refletir sobre o que teria despoletado aquela mudança de comportamento. Refleti sobre a possibilidade de termos apressado um processo para o qual ele ainda não estava preparado. Pensei também na possibilidade de a escola e a família não estarem a agir de forma semelhante e coerente e o P sentir esse desalinhamento… confesso que não cheguei a nenhuma conclusão em concreto.
No início da primavera seguinte, tinha o P já três anos, decidimos voltar a iniciar o processo, aproveitando o facto de ele afirmar com muita frequência que já era muito crescido e demonstrar essa maturidade em diversas situações do nosso dia a dia. Comecei por conversar com ele sobre a situação, explicando-lhe que estaria ali para o ajudar caso precisasse e reforcei que não havia problema nenhum em ter acidentes com o xixi e o cocó. Ninguém iria gostar menos dele por isso. Mostrou-se entusiasmado com a possibilidade de usar sempre cuecas em vez de fralda e, assim, partimos novamente à aventura.
Em poucos dias, o P começou a mostrar a resistência que já conhecíamos e as nossas “manobras” para o convencer a ir à casa de banho começavam a perder efeito – na verdade, o P sempre gostou de histórias e, muitas vezes, uma boa história tinha efeitos surpreendentes na forma como colaborava com o adulto. Os acidentes aconteciam como é natural. Parei para o observar novamente. Que necessidades estariam por satisfazer?
Conhecia o P como a palma da minha mão, mas não tinha refletido sobre esta questão ainda. Ele sempre fora um líder nato e nós não estávamos a deixá-lo comandar a situação. A personalidade forte que sempre nos mostrara gritava há muito tempo a sua necessidade de reconhecimento e significância. Reconhecia muitas vezes os seus comportamentos e conquistas e entrava nas suas brincadeiras (que revelavam uma imaginação infinita!), mas estava a tentar controlar uma questão fulcral do seu crescimento. Fez-se luz.
Certo dia, apercebi-me que a auxiliar de sala estava a forçar o P a ir à casa de banho, certamente com a melhor das intenções e a certeza que de que o estava a ajudar, pois assim não teria outro acidente. Pedi-lhe que parasse e aproximei-me dele. Baixei-me e perguntei-lhe o que se passava para estar tão aborrecido e a chorar… ele respondeu, a soluçar muito, que não queria mesmo fazer xixi. Naquele momento, soube que não podia deixar mais nenhum adulto obrigá-lo a ir à casa de banho. Eu tinha de ser tão autêntica com ele como ele era connosco. Disse-lhe que nunca mais o iriam forçar a ir à casa de banho se ele não quisesse. Disse-lhe ainda que, como ele próprio dizia, agora já era crescido e, por isso, só ele saberia quando tinha vontade de fazer xixi e cocó. Frisei que nós (adultos) não tínhamos o direito de decidir uma coisa tão importante do seu corpo e que ele tinha toda a razão em ficar triste ou até chateado connosco. Pedi-lhe desculpa! Acrescentei que a partir daquele momento teria de ser ele a perceber quando tinha xixi na barriga e que devia ir logo à casa de banho, caso contrário continuariam os acidentes. O P ouviu com muita atenção e depois pediu para ir brincar. Pouco mais de cinco minutos depois vi-o a apertar as suas perninhas enquanto corria para perto de mim para me dizer que tinha de fazer xixi. Soube nesse momento que não teria de me preocupar mais com a retirada da fralda do P.
Depois deste episódio o P diminuiu drasticamente o número de acidentes que tinha. Nós, adultos, nunca mais o forçámos a ir à casa de banho. Em pouco tempo, com cerca de 3 anos e meio, o P completou o controlo esfincteriano durante o dia, ao seu ritmo.
Refletindo sobre tudo isto, consigo perceber a importância de ter reconhecido a necessidade do P de controlar uma situação que só a ele lhe dizia respeito. Foi esse o ponto de viragem!
Acredito que utilizei quatro chaves importantíssimas para estabelecermos relações conscientes, e que levaram ao sucesso desta situação. Uma das chaves foi a Autenticidade. A minha autenticidade em resposta à dele. Ainda não tinha conseguido ser verdadeiramente autêntica com ele, até ao momento em que abri o meu coração e fui tão sincera quanto podia.
Respeitar a Integridade do P foi outra das chaves que usei. Naquele momento, fui capaz de ouvi-lo e vê-lo no seu todo. Dei importância e reconheci o que ele estava a sentir e a pensar e isso fez toda a diferença no final.
Usei outra chave que tinha em meu poder – o Igual Valor. Reconheci que tínhamos errado, que ele tinha razões para estar magoado e pedi-lhe desculpa. O que o P estava a sentir não foi posto de lado, como já tinha acontecido no passado. Antes pelo contrário, o que ele estava a sentir estava a ser levado muito a sério.
A quarta e última chave que usei foi a Responsabilidade Pessoal. Durante aquela conversa passei a responsabilidade para o lado do P, ajudando-o a entender que a responsabilidade das suas ações era somente dele. Aquela era uma responsabilidade que só ele podia assumir e eu acreditava que ele era capaz.
Com frequência, nós educadores, temos tendência para usar a mesma “receita” com a maioria das crianças. Estas receitas vão resultando até ao dia em que uma das crianças nos desafia tanto que nos faz suar (muito!) para chegarmos verdadeiramente até ela. Sou muito grata por ter por perto crianças que me desafiam e que me ajudam a crescer enquanto Educadora, mas sobretudo enquanto ser humano.
Estou certa que conhecer os quatro valores da Parentalidade Consciente, ou chaves como lhes chamei, pode ser um trampolim para mudarmos a nossa atitude perante as crianças, construirmos relações genuínas e fazermos um trabalho com Amor e Consciência.
Até breve <3,
Melanie Jorge
Facilitadora Certificada pela AdPC e Educadora