A joaninha amarela
Já há muito que me debato com a definição de “normal” ou de “normalidade”. Foram várias as situações, desde que fui mãe, em que as pessoas se dirigiram a mim com a frase: “Mas isso não é normal…”, dita com esgares de riso, ou de preocupação ou, até, de uma leve aversão.
Mas afinal, o que é isto de ser normal?
Antes de mais, para começar a minha busca com alguma objetividade, fui ao dicionário. Em primeiro lugar, refere que normal designa o que está conforme a norma ou a regra. Depois entra um bocado em descalabro (na minha parca opinião) e diz que se utiliza para referir aquilo que é o modelo ou o exemplo. E, por fim, na mesma onda da designação anterior, afirma que também se pode mencionar quando falamos de algo regular, habitual ou ordinário.
Isto de ser um adjetivo tem que se lhe diga. Dei comigo a pensar que, quando dizemos que algo não é normal, na verdade, estamos a dizer que é anormal. Então, deixa cá ver o que o senhor dicionário acha da palavra anormal. E cá vai: que se afasta da norma ou da média, que faz exceção, que é irregular ou, esta é das boas, anómalo.
Quando me abordavam com esta afirmação, comecei a adotar uma postura, e contra-argumentação deliberada de “Pode não ser comum, mas não quer dizer que não seja normal!”. O que é um contrassenso… Então, tive de prestar atenção à minha resposta e ao que me levava a escolher este argumento.
Cheguei à conclusão que aquilo que eu penso é que, na realidade, quando nos referimos a alguém ou a alguma situação como não sendo normal, não estamos, propriamente, a dizer que isso não é comum. A maior parte das vezes, o que queremos realmente dizer, é que deve haver aí algum problema.
E isso chateia-me.
Chateia-me porque, ao pensar isso, sinto-me julgada e adoto uma postura defensiva. E eu não sou nada de me sentir julgada, nem de andar aí de punhos, metafóricos, da língua (que não existem outros) prontos a amparar supostos golpes.
Por isso, aproveito para convidar todos a uma prática de não-julgamento (incluo-me na prática), em que me faz sentido falar em crianças mas, basta trocar a palavra crianças pela palavra pessoas ou pela palavra seres-vivos, e é igual.
“Não existem crianças normais. Não existem crianças anormais.
Todas as crianças são extraordinárias. Todas as crianças são irregulares. Todas as crianças são modelos únicos e, por definição, diferentes na sua perfeição. Todas as crianças são.”
Normas e regras estão na nossa cabecinha. Fomos nós que as criamos. Será que interessam? Será que têm razão de existir? Se calhar sim mas, sinceramente, é tão limitativo e redutor que deveria estar guardado na parte de trás da gaveta das cuecas, da nossa mente.
Ando eu às voltas com a normalidade e o meu Mi encontra uma joaninha amarela. Igualzinha à famosa vermelha de pintinhas pretas, mas amarela. “Olha mãe, porque é que esta joaninha é amarela?”
Entro numa espiral introspetiva… Ele já está habituado à demora das minhas respostas. Sabe que eu tenho de pensar bem no que lhe vou dizer. Sou assim.
A joaninha amarela é menos comum que a vermelha. Quererá dizer que a joaninha amarela não é normal? Não é esta a resposta que quero. Não há normal nem anormal.
A joaninha amarela é menos comum que a vermelha. Deverei dizer que é especial? Não, ambas as joaninhas são especiais, tal como são.
E de repente, saiu-me assim: “Sabes Mi, existem joaninhas de muitas cores. Embora estejas mais habituado a ver joaninhas vermelhas, não quer dizer que não existam muitas outras joaninhas, de diferentes cores, por aí a voar. Só tens de estar atento e abrires o teu coração.”
Sorriu-me e observou a joaninha, num momento de atenção plena, consciente, sem julgamentos e com muita curiosidade.
(Para todas as joaninhas. De todas as cores. Com ou sem pintas.)
da Facilitadora:
One thought on “A joaninha amarela”
Excelente acolhimento do ser mae, outra hora crianca, consciencia da capacidade de mudanca, em vez de estagnacao para um cenario de vitimizacao. Sair da luta aceitar opinioes e inovar para a felicidade de se ser Pessoa. E fazer a humanidade crescer em liberdade, os teus filhos sao o teu desabruchar, que textos lindos vaguiavam em ti. Obrigada pela partilha de ti abraço