Gritar, Amar, Crescer
Li, aqui há dias, um texto que, como um holofote, iluminava um ângulo mais agudo nestas coisas da parentalidade, mais ou menos consciente, mais ou menos positiva e que, também, para mim era uma esquina que me custava dobrar, no inicio do meu caminho como Mãe.
Cresci muito desde que sou Mãe. E devo-o ao meu filho mas também a mim.
Cada um de nós é – antes de tudo e acima de tudo – uma pessoa, um ser humano, sem papel que nos defina mais do que as nossas crenças, valores e atitudes.
E, embora a vontade inicial tenha sido essa de desempenhar melhor o papel, foi uma profunda descoberta pessoal, um encontro comigo própria o que a maternidade me trouxe de mais valioso.
Não digo que isto seja bom, mau, certo, errado. Provavelmente isto acontece a muitas pessoas antes de serem mães, a outras só quando são avós, a outras quando se confrontam com a perda, a outras com a doença. Outras nunca percorrem este caminho – ou porque não precisam ou porque não querem ou ainda porque não tiveram oportunidade para o fazer.
E de tanto pensar – e de tão pouco especialista ser – tive (e tenho) sempre muitas dúvidas.
Uma era, precisamente, a que o artigo levantava e deixava no ar: é melhor ser dedicada, carinhosa, apaixonada, verdadeira, autêntica, empática, envolvida, esforçada e perder a cabeça (quando perdia a paciência, quando me sentia esgotada, cansada, assoberbada, impotente) ou é melhor ser uma mãe mais fria, distante, intolerante, auto-centrada, cheia de regras e rotinas , mais mental e não gritar, dizer, às vezes, o que não queria, nunca ficar de cabeça quente?
A pergunta “Que Mãe quero ser?” devolveu-me a resposta sobre “A pessoa que eu sou”. Levou-me muito longe na busca dessa minha verdade – e de como a expressava.
As crianças não são complexas, as nossas vidas são. Nós somos complexos, muitas vezes porque somos (ou fomos) feitos de artifícios, impostos por terceiros, que nos fazem viver com o piloto automático, explosivos, reativos, desligados de nós próprios, sem recursos para pedirmos o que queremos de forma pacifica, sem sabermos, na verdade, muitas vezes, o que queremos, e fazendo a nossa felicidade e bem estar depender dos outros – nomeadamente dos nossos filhos.
O que a maternidade me deu foi a especialização em mim mesma, foi poder crescer como pessoa e, assim, ser melhor mãe. Para mim esta é a verdadeira magia da parentalidade – o seu poder transformador e criador.
Gritar não comunica amor, nunca – nem entre adultos, nem entre um adulto e uma criança.
Ameaçar ou despejar em cima das nossas crianças – ou de qualquer outra pessoa – desabafos que soem a abandono, culpa ou desespero nunca abona a nosso favor (nem a favor delas).
Eu sou uma mãe que grita. Que todos os dias faz o seu possível. Sou uma mãe que grita cada vez menos, e isso faz-me sentir melhor. E faz-me sentir melhor comigo própria e com as minhas emoções. Mais inteira, mais verdadeira, mais em paz.
E aqui reside o equívoco maior do texto de Eduardo Sá e que paira com muita frequência nas nossas cabeças (e coração): é que, sermos mais autênticos, mais verdadeiros não quer dizer ser descontrolados, impulsivos, reativos.
Deixarmos o coração assumir o comando dos nossos dias – em vez de regras frias e rotinas desprovidas de paixão – não quer dizer deixarmo-nos ficar para último e depois despejar em cima dos outros os nossos nervos e emoções difíceis de aguentar.
Sermos mais dedicados, atentos e levar em conta as necessidades dos nossos filhos, colocar os limites necessários e sustentar os que sentimos ser fulcrais para o seu bem estar, não nos deve fazer sentir nunca no direito de despejar neles as nossas feridas por sarar, as nossas necessidades por atender, a nossa falta de controlo – em forma de berros, ameaças ou de que forma for ( embora isso aconteça, claro!)
O controlo, a autoridade maior que podemos exercer é ,no fundo, sobre como viver as emoções, sobre as decisões que tomamos e a vida que (todos os dias) escolhemos viver – e isso também já me pareceu a mim como um bónus que vinha apenas com um feitio mais desapegado, mais frio, e que está, afinal, ao alcance de qualquer um de nós. Na verdade, torna-se uma jóia preciosa quando é descoberto e posto em prática, precisamente, pelos pais que conversam, que dão colo, que negoceiam e tratam os filhos com igual valor, respeito e responsabilidade, que fazem da parentalidade um assunto sério e ainda assim prazeroso e autêntico, dos pais que não tem todas as respostas, que têm mais dúvidas que certezas, que educam com o coração nas mãos, que fazem figuras tristes, que são humanos e não perfeitos, mas que não vão pelo caminho mais fácil, todos os dias.
Crescer em consciência, em respeito (por nós e pelos outros), saber mais profundamente sobre esse iceberg que somos e compreender melhor as nossas emoções e pensamentos , transforma as atitudes e comportamentos que vem à superfície, e esse é o melhor presente que podemos dar – não aos nossos filhos, mas a nós próprias. Chama-se auto-cuidado, chama-se crescer em maturidade.
Os berros não são amigos da pedagogia mas também não o são de uma vida pacifica – e os pais querem-se mais do que pedagogos, querem-se humanos, e querem-se bons exemplos mais do que perfeitos.
Não acredito que o medo eduque alguém, ou tenha benefícios na educação das personalidades a médio, longo prazo.
Não acredito que ouvirmos ameaças, sentirmo-nos inseguros, assustados ou desamparados pelas figuras que nos dão proteção, amor e sentido à vida enquanto o mundo é maior do que nós possamos compreender, possa ter qualquer vantagem para o nosso desenvolvimento enquanto crianças – ou adultos.
Erraremos muito ainda assim, todos. A vida é tudo menos perfeita e previsível e quem ama sem medida , quem se entrega à autenticidade e se despe da proteção cobarde de regras e preconceitos, de certezas e crenças definitivas , tropeça, claro, mas pode ter a vantagem de se dar conta disso, de se aperceber que não é dono da razão, nem do bom comportamento, que todos temos momentos infelizes, pode pedir desculpa e desculpar-se, saber estimar-se e aos que o rodeiam sem almejar ser intocável – pode sair do pedestal de pai, que parece ser apanágio de alguns que gritam e de outros que não gritam mas que nunca estão errados ou se põe em causa – e isto também não ensina nada sobre aprender com os erros, tolerância ou humanidade.
Hoje sei, de fonte segura, que “Alma” e “Paixão” não têm de rimar com gritos, ameaças e descontrolo. E enquanto os segundos podem não se conseguir evitar – e está tudo bem – os primeiros querem-se todos os dias e em quantidades generosas nas nossas famílias. Acredito, mesmo, que é mais desses condimentos que todos precisamos para que o mundo se se endireite e tome o sentido certo, que é o do Amor – esse sim, o património imaterial mais precioso da humanidade.