O percurso de uma criança frágil a um adulto feliz

O poder da aceitação, não esforço e deixar ir…

O Salvador sempre foi uma criança desafiante.

Desde cedo, desde o ventre da sua mãe que já dava sinais de agitação. Quis nascer mais cedo do que era previsto. Veio ao mundo, pequenino, frágil, mas com uma vontade enorme de viver. Um lutador!

O Salvador cresceu, acima da média para um prematuro, sem nenhuma dificuldade, um bebé perfeitamente normal e com um excelente desenvolvimento.

Quando entrou para o infantário, ele só queria brincar e brilhar, mostrar o quanto era forte e destemido, mas nunca foi reconhecido realmente como ele era…

Foi um desafio constante com as educadoras e auxiliares, time out’s, castigos, obrigação na hora da refeição… o Salvador até chegava a trazer para casa as ervilhas escondidas no bolso do bibe para não ser obrigado a comê-las… No seu íntimo ele não precisava de mais repreensões.

Uma criança com uma necessidade enorme de reconhecimento. Sempre viveu com a crença de que o seu irmão gémeo era superior a ele, pois tinha sempre as melhores notas, era sempre o mais educado, nunca deu motivos para os seus pais irem à escola para serem confrontados com as suas atitudes, raramente era chamado a atenção. Ao contrário o Salvador sempre “gritou” por atenção, demonstrando isso de uma forma um pouco negativa.

Da parte dos seus pais, nunca lhe faltou essa atenção, à sua maneira, mas para ele nunca foi suficiente. Embora sempre se tenham questionado sobre isso, hoje sabem que foram os melhores pais que podiam ter sido…

O Salvador cresceu, passou uma adolescência, mais ou menos pacífica, com questões normais de um adolescente, com uma energia contagiante, sempre a querer experienciar situações novas, amigos novos, modas novas, mas tranquilo.

Fez um percurso escolar normal, com boas notas, nunca “chumbou”, e sempre teve os seus objetivos bem definidos.

O Salvador desde pequenino queria ser polícia! Agente especial! Queria mudar o mundo, queria libertar o mundo, onde reinasse a igualdade e o reconhecimento…

Os seus pais, sempre reconheceram esse desejo e sempre o guiaram nessa sua orientação.

Até aos 17 anos, quando no final do 12º ano se viu retido por uma única disciplina: a sensação de frustração, a ideia de ficar um ano a fazer uma disciplina, a incapacidade e o desgosto de ficar retido um ano, levou o Salvador, aproximar-se de pessoas que não eram os seus amigos na altura.

Devido às suas escolhas, notou-se um afastamento do irmão, dos pais, da família.

Estes pais sempre foram muito frontais com o seu filho, sempre o trataram com igual valor, com respeito, sempre houve uma comunicação saudável e um amor incondicional, mas o Salvador estava a afastar-se dia após dia, de tudo e de todos…

Até ao dia em que numa conversa, comunicou que fumava umas “coisas”…

Durante algum tempo, acharam que era apenas uma experiência, uma necessidade de experiência e novidade, mas quando começaram a tomar consciência que a frequência já estava a ser cada vez maior, foi necessária uma intervenção maior da parte do pai, a qual o Salvador rejeitou e se revoltou com o pai, deixando inclusivamente de lhe falar durante algum tempo.

Se por um lado, esta mãe entendia a versão e as necessidades do seu filho, por outro entendia a versão do pai do Salvador.

Ele apenas queria curtir os seus 17 anos e um ano que estava parado sem fazer praticamente nada… O pai, cheio de medos, receios e dúvidas em relação ao caminho que o seu filho estava a tomar…

O pai sempre tinha sido até então uma referência na sua vida, um companheiro e, de repente tudo se desmoronou, quebrou-se o elo de ligação, o fio condutor.   O Salvador viu-se sem o irmão que, entretanto, foi para a faculdade, viu-se sem o pai que foi trabalhar para fora do país e viu-se a ele ir ficando para trás… perdendo os seus sonhos…

Embora tivesse concluído o 12º ano não tinha foco nem motivação para nada!

Não foi fácil…

Esta mãe ficará sozinha com duas filhas menores e um filho completamente desmotivado e perdido.

Tinha então duas soluções: Ou entrava numa depressão profunda, pois tinham-lhe tirado o seu suporte, que era o seu marido… ou se reerguia, resignificava e lutava por si e por todos…

Foi então, que teve um primeiro contato com o Coaching.

Este processo, veio trazer-lhe ferramentas poderosas, que aos poucos e muito subtilmente foi trabalhando com o seu filho.

Esta mãe, desbloqueou muitas crenças, olhou para si própria em primeiro lugar, encontrou todas as forças que necessitava no amor que tinha pela sua família, e tomou consciência das necessidades do seu filho, não julgando, mas iniciando um novo processo de amor incondicional.

Em três meses, tinha um filho “limpo”, decidido, reconhecido e muito focado.

Concorreu ao que ele sempre quis e foi aceite.

Parecia que tudo entrava nos eixos, havia paz, tranquilidade nesta família.

Até que, num período de férias, voltaram os confrontos com o pai! O Salvador estava a cair novamente em novos vícios e o pai continuava a não aceitar.

Foi um período longo, sofrido, e por mais que esta mãe tentasse ajudar a um e a outro, não conseguia, o que lhe trazia uma frustração enorme.

Até ao dia, que teve contacto com informação de Parentalidade Consciente.

Este filho tem sido o seu maior desafio, mas uma nova visão sobre a sua parentalidade, a descoberta da sua intenção real como mãe, a interiorização do conceito de “aceitação”, de “não esforço” e de “deixar ir”, conseguiu olhar para o seu filho de uma forma diferente… Teve a consciência, que o seu filho afinal só precisava ser amado pelo que era, sem julgamentos, sem expectativas, olhando para ele como no dia em que nascera de 32 semanas, frágil, desprotegido e a gritar por “colo”.

Doeu, doeu bastante…

Mudou o seu pensamento, mudou o que sentia em relação ao que pensava e como sabemos por consequência mudou o seu comportamento em relação as atitudes que tinha com o seu filho…

Já não julga, aceita, tal como é… sem qualquer esforço… e está tudo bem…

O Salvador tem 20 anos hoje, saberá de certo encontrar o seu caminho, precisa apenas de caminhá-lo, senti-lo, experienciá-lo, precisa cair para se voltar a erguer, precisa chorar, rir. Precisa VIVER.

Esta mãe… só tem que estar por perto quando ele precisar. Este filho… só precisa de saber que tem um porto de abrigo.

Aprendeu uma grande lição…  deixar ir…  confiar! E sobretudo amar… incondicionalmente!

A mãe do Salvador está de uma forma tranquila neste processo, confia e aceita ambas a posição, do pai e do filho, tem uma grande fé e esperança, que ainda se irão rir muito todos juntos disto tudo.

Fez o que o seu coração mandou mais uma vez.

Tem um filho neste momento mais presente, mais genuíno, autentico e de bem consigo e com os outros. Com a sua autoestima recuperada.

Tomou consciência, que o seu filho precisa caminhar pelos seus próprios pés, fazer as suas escolhas e como pais apenas precisam aceitar, respeitar essas mesmas escolhas, confiando, não resistindo, pois resistência apenas gera mais resistência não é verdade?

O sentimento de liberdade é muito grande.

Depois deste processo, olho para trás, e afinal o “problema” não era assim tanto um problema, ele apenas existia na mente destes pais.

Muitas vezes nós pais, intensificamos demais as situações, resistimos demasiado, quando o nosso foco deve estar sempre na forma como exercemos a nossa parentalidade, na conexão que temos com os nossos filhos, de que forma estamos a demonstrar realmente aos nossos filhos que os amamos, que estamos “lá” para eles sempre, sem julgamento.

Acredito que, nas relações parentais que tenho tido contato, os filhos afastam-se por medo a este mesmo julgamento dos seus pais.

Este é um caso que correu bem, mas quantos não correm, porque os pais não descem do seu pilar autoritário, de amor condicional, onde não existem demonstração de afetos, onde apenas visam a obtenção dos melhores resultados… aceitação social.

Vale a pena revermos as nossas intenções enquanto pais, vale a pena criarmos relações emocionais consistentes, vale a pena estarmos muito presentes na vida dos nossos filhos. Só assim criaremos jovens adultos felizes, que farão a mudança que tanto queremos neste mundo.

Que filhos queremos realmente ter ao nosso lado? Que valores estaremos a transmitir aos nossos filhos?

Eternamente grata!

Maria Antónia Infante