As letras do Diogo
O Diogo é uma criança de 7 anos, simpática, alegre, que gosta de ser popular e de tudo o que é novidade. Mas quando se confronta com algo que não consegue, pede ajuda ou a aprovação da mãe perguntando constantemente: “Mãe estou a fazer bem?”. Quando está na consulta não para quieto, pede colo à mãe e não larga a sua mão. Os pais são ambos padeiros e trabalham à noite, dormindo de dia. Mas a mãe, leva-o à escola quando vem do trabalho e ao fim da tarde vai buscá-lo para estar com ele. E nessa altura o Diogo só quer brincar e estar com a mãe, fazendo sempre “birras” porque não quer fazer os trabalhos de casa. Segundo a Mãe, não identifica as letras, não é capaz de ler ou escrever, precisando de apoio total para fazer os trabalhos. A Mãe chora durante a sessão e está preocupada porque não quer que o Diogo chumbe, mas percebe que não está a acompanhar o grupo.
Depois da minha observação percebo que o Diogo ainda está muito ligado aos pais, principalmente à sua mãe, apresenta uma auto-estima muito baixa, ficando extremamente agitado quando se confronta com algo que sente que não é capaz. Não responde a qualquer avaliação de leitura e escrita, recusando-se a participar nessas actividades, querendo sempre brincar. Nas primeiras duas sessões não quis entrar sozinho para a sessão e veio com a mãe, dizendo que não se consegue separar dela. Mas na terceira sessão veio sozinho e jogou um jogo comigo.
Nesta sessão lembrei-me da parentalidade consciente e pensei qual é a minha intenção? Será que é ajudar esta criança a ler e escrever ou a ajudá-la primeiro a sentir-se mais segura e satisfeita consigo? Não tive dúvidas e lembrei-me: reconhecer ou elogiar? Reconhecer foi o que me fez sentido. Dei-lhe espaço para escolher o queria fazer e usei a estratégia de observar, escutar atentamente com interesse e reconhecer tudo o que dizia ou fazia.
Intenção
Assim, defini que a minha intenção é ajudar inicialmente o Diogo aumentando a sua auto-estima, através do reconhecimento, mostrando interesse e valor naquilo que faz. É incrível como o Diogo se vai modificando ao longo das sessões, sentindo-se mais seguro e mais preparado para colaborar comigo. Está mais calmo, mais seguro e diz à mãe que quer vir sozinho, porque aqui ele é capaz de fazer os jogos que lhe peço e o mais importante é o que ele sente quando o faz. Já escolhe actividades de ler e escrever e tem mais gosto em aprender.
Diálogo
Diogo: “Joana, estão bem as letras que fiz?”
Joana: “ah…o que é? Gostaste de as fazer?”
Diogo: “Gostei..mas não se percebe, pois não? Está bem ou não?” (agitado)
Joana: “Mas, o que é Diogo? O que queres dizer? O que está escrito?”
Diogo: “Quis fazer palavras que começam com o som “A”, mas a palavra “avião” está mal não se percebe! É melhor fazer outro” (irritado)
Joana: “Diogo, mas tu percebes? O mais importante é que tu percebas, este trabalho é teu, para ti e para praticares as letras que quiseres e quando quiseres”. Mas gostaste de desenhar as letras?”
Diogo: “Gostei” (tímido)
Joana: “E como te sentiste?”
Diogo: “Senti-me bem, mas olha, podemos chamar a minha mãe e perguntar?” (entusiasmado)
(….) “Mãe, já viste o que escrevi? Gostei de o fazer! Não se percebe bem, mas o trabalho é meu e é para mim. O mais importante é que eu perceba, não é mãe?”
Paula (mãe do Diogo): “Sim, filho é!” (comovida)
Diogo: “Mãe, para a próxima quero vir logo sozinho, está bem?”
Joana: “Diogo gostei de estar contigo e de te conhecer melhor!”
De seguida expliquei à Paula a diferença entre elogio e reconhecimento exemplificando com o Diogo. Sinto que a Paula está muito cansada comove-se facilmente e sente-se sozinha neste processo. Já pedi para vir o pai, o tio ou avós, mas tem sido difícil. Já pedi para vir o pai, o tio ou avós, mas tem sido difícil. No entanto, sempre, no final da sessão a Paula entra, explico o que fizemos, o trabalho que podem continuar em casa e demonstro com o Diogo como se faz e como o reconheço. É incrível como se modifica totalmente após o reconhecimento, desde a sua expressão facial à corporal. É notória a satisfação e segurança consigo próprio.
Reflexão: Incrível, o poder do reconhecimento!
Tem sido um verdadeiro desafio, mudar a minha atitude de elogiar para reconhecer. Até já me custa não reconhecer uma criança quando me pede um elogio ou quando necessito que precisa. É mesmo interessante até praticar com os meus colegas de trabalho. Foi uma descoberta magnífica!
Faz-me mesmo sentido, até me lembro, na minha infância, que gostaria de ter sido mais reconhecida. Também nunca fui muito elogiada, fazia parte de ser filha. Ter boas notas fazia parte das minhas responsabilidades. Ainda hoje por vezes faço a pergunta: “Mas o que achou?” e respondem: “Já sabes não é preciso dizer nada!” Talvez por isso, percebo que o reconhecimento e importância fazem parte das minhas necessidades. E mesmo quando não são correspondidas, sei quais são e isso tranquiliza-me.
Obrigada por esta descoberta maravilhosa que tanta ressonância teve em mim.
Joana Rombert