Como estabelecer limites com as crianças

O adulto manda e a criança obedece. Ai é? É importante que o adulto seja coerente com as suas regras: uma vez assim, para sempre assim. Será mesmo? Para que servem as regras, afinal? E para quem servem? E quais são as regras que servem a tua família neste momento? Como comunicamos as nossas regras? E como é que as definimos?

Impor regras. Estabelecer limites. Dizer Não. O meu grande desafio enquanto mãe e enquanto pessoa. Primeiro filho. Primeiros meses. Mama. Passado 1h mostra sinais de querer mamar novamente. Regra (do médico): só pode mamar de 3 em 3 horas. Só pode mesmo? À noite acorda a cada 3 horas. Regra (da avó): tens de o deixar a dormir no berço. Tenho mesmo? Segundo filho. À mesa. Regra (que todos fazem): tens de comer a sopa toda, antes de passar à comida. Será assim tão importante? Na sala. Regra: não há brinquedos, os brinquedos são no quarto. Será que tem de ser assim todos os dias?

Ao longo da infância, com grande intensidade na adolescência e com maior consciência na idade adulta (sobretudo depois de ser Mãe) tenho vindo a questionar muitas regras. E ainda bem. Questiono porque quero ter intencionalidade nas coisas que faço, quero ser congruente com aquilo que acredito e autêntica com as necessidades de cada momento.

Por detrás da necessidade de muitas regras, há uma grande necessidade de controlo. Queremos controlar tudo, sobretudo no que toca as crianças: quando nascem, quanto comem, o que vestem, como aprendem, o que dizem, o que fazem. Queremos também controlar as emoções, sobretudo as “negativas”: “os homens não choram”, “não chores que a mãe já vem”, “isso não é razão para chorar”.

Se fosse possível controlar tudo, viveríamos num mundo sem surpresas, onde todos estariam seguros e saberiam com o que podem contar. Ainda que o conforto da estabilidade seja importante cultivar, a flexibilidade perante o imprevisto é também uma arte importante de desenvolver. Se queremos controlar tudo, geramos desequilíbrio; Se não queremos controlar nada, geramos desequilíbrio. E como chegamos ao caminho do meio?

Aceitar os limites de cada um é o primeiro passo. Reconhecê-los no rebuliço do dia-a-dia é que é por vezes desafiante.

Limite 1: o nosso corpo: nunca podemos dar um passo maior que as pernas; se temos fome, há que comer; se temos sede, há que beber; se temos sono, há que dormir; se cortamos o dedo, há que parar a hemorragia.

Limite 2: as nossas emoções: quer gostemos ou não: estão lá. Se aceitarmos, elas passam. Se resistirmos, elas crescem. Se negarmos, elas explodem. Se deixarmos, elas mandam. Se as reconhecermos e ouvirmos, elas guiam.

Limite 3: os nossos pensamentos: criam a nossa história do mundo. Se os agarrarmos, são a única verdade. Se os observarmos, são padrões. Se os deixarmos ir, podemos escolher os que nos fazem evoluir.

Limite 4: os outros: se colaboramos, crescemos; se resistimos, destruímos.

Limite 5: a sociedade: quando cada um de nós conseguir reconhecer e respeitar os limites anteriores, os limites da sociedade serão vividos com responsabilidade pessoal. Quando fortalecemos a integridade de cada indivíduo, cuidamos da integridade do grupo e das nossas relações

E então como mostramos isso aos nossos filhos?

  1. o corpo: damos espaço para que conheça o seu corpo e os seus limites desde a nascença: passar tempo no chão, comer quando tem fome, andar quando se sente preparado, vestir a roupa que precisa. Deixamos que falhe, que caia, que se levante. Confiamos.
  2. as emoções: partilhamos as nossas emoções e reconhecemos as deles; criamos espaço para que todas as emoções possam ser vividas. Aceitamos.
  3. os pensamentos: mostramos interesse pelos seus pensamentos, opiniões. Observamos. Questionamos. Reconhecemos os padrões. Assumimos responsabilidade pessoal pela nossa realidade. Estamos presentes.
  4. os outros: respeitamos a integridade de cada pessoa. Ouvimos. Observamos. Escolhemos as palavras que usamos. Questionamos. Partilhamos as nossas necessidades. Somos criativos a encontrar soluções para as nossas divergências. Praticamos Bondade e Compaixão.
  5. a sociedade: definimos quais os limites da vida em sociedade que nos fazem sentido e praticamo-los: agradecemos às pessoas, cuidamos do nosso lixo, cumprimos regras de trânsito, colaboramos com os outros, cuidamos dos espaços comuns, etc. Construímos Comunidade.

Para definirem limites de forma autêntica, experimentem:

  1. dedicar tempo a identificar em conjunto quais os limites gerais da vossa família (rotinas, rituais familiares, tarefas de cada membro da família);
  2. ter claros quais as vossas intenções e valores enquanto pais e enquanto família (“quero ter razão ou quero apoiar o crescimento do meu filho?”);
  3. parar e sintonizar com a vossa experiência interior a cada momento (o que observo no meu corpo, que emoções estou a sentir, que pensamentos surgem) ;
  4. escolher o comportamento que esteja alinhado com as 3 alíneas anteriores.
  5. comunicá-lo com linguagem pessoal*.

O que descobri na minha prática de definição de limites:

  1. que muitos “nãos” que digo, saiem de forma automática e têm origem na minha experiência da infância, no que os outros esperam de mim, na minha necessidade de segurança e controlo, no meu cansaço (sobretudo neste!). Se me desfizer desses “nãos” a vida fica mais leve J.
  2. que os meus “nãos” autênticos, comunicados a partir do que a situação me faz sentir geram maior aceitação e colaboração. Ex.: (para a filha de 3 anos): “Eu tenho medo de te deixar ir à padaria sozinha. Vou contigo até à porta da padaria e depois compras o pão sozinha, ok?”
  3. que quando estabelecemos um limite a criança tem uma reação. E como diz Mikaela Ovén: “está tudo bem”. Importa refletir: será que a criança está a ter espaço para satisfazer as suas necessidades? Será que ando a controlar demasiado? Como é que estou a comunicar o meu limite? Conseguimos respeitar os limites quando o nosso espaço e liberdade para satisfazer as nossas necessidades é também respeitado.
  4. os nãos de hoje podem não ser os de amanhã.
  5. Os meus filhos são pessoas e também têm os seus limites. Quando ouço e respeito os seus “nãos” crio uma oportunidade de demonstrar igual valor, respeito pela integridade, aceitação e colaboração. Tudo o que quero que também demonstrem por mim!

Com estas “lentes” conseguimos ter flexibilidade suficiente para lidar com presença e aceitação quando as coisas não são como planeamos e confiança para encontrar as respostas que melhor se alinham com as nossas necessidades, valores e intenções. Conseguimos discernir com maior clareza as prioridades de cada momento e atuamos de forma congruente com a nossa experiência interna e externa. Assumimos responsabilidade pessoal pelos nossos Nãos. Trata-se de uma prática, em cada momento.

Filipa Soares

Inspirações: os meus filhos, *Mikaela Ovén; Rebeca Wild, Shefali Tsabary.

Mais informações sobre as minhas palestras e Programas em grupo:

www.serintegral.pt

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