Hiperatividade: Mindfulness, um caminho consciente. Para todos.
Passou-me a receita para a mão. Falou-me de todos procedimentos necessários para a sua compra e dos possíveis efeitos secundários. “Ritalina”, lia-se.
Tremi.
A médica continuou a falar muito calma e segura. Deixei de ouvir qualquer som. Só senti. Senti o meu corpo a contrair e paralisar. Senti algo visceral. Senti um misto de emoções: medo, culpa, vergonha, tristeza. Medo pelo que poderia acontecer ao meu filho, culpa pelo que estava a acontecer (de certeza que eu tinha culpa de alguma coisa), vergonha pela situação (o que iriam dizer os outros?), tristeza. Ainda lhe perguntei, esperançada “mas de certeza, não há outra alternativa?”. Ela respondeu-me “eu já vi muitos casos destes e sei qual a sua evolução. Dê-lhe Ritalina!”.
Cheguei a casa e fui pesquisar à Internet. Queria saber tudo sobre aquela medicação. Já sei, não devia fazer isto. Mas era o meu filho!
A pesquisa feita deixou-me ainda mais apavorada. A medicação era um assunto polémico que dividia médicos, terapeutas, psicólogos, professores e pais. Uns a favor, outros contra. Fiquei na mesma.
Afinal quem tinha razão?
Fui então ler o folheto informativo da embalagem da medicação. Sim, porque esse documento devia ser o mais aproximado do que era na realidade aquela medicação. Não foi nada agradável. Arrependi-me seriamente. Os efeitos secundários eram aterradores. Até de morte súbita, a bula mencionava. Arrepio.
Precisava de outras respostas. Decidi então consultar outros médicos. Fui a 3 médicos diferentes, especialistas na área. Todos me asseguraram que aquela medicação era de confiança, largamente experimentada e cuja segurança era atestada por milhões de crianças a quem tinha sido administrada. Fiquei então mais descansada e pronta para dar aquele passo. Mas ainda assim, ainda assim, havia qualquer coisa que não batia certo e que me inquietava o coração: o tratamento farmacológico era seguro mas e quando não o tomasse, como saberia ele gerir as suas emoções, os seus pensamentos, o seu corpo? E a sua autoestima como ficaria quando se apercebesse que sem a medicação não saberia gerir os seus impulsos? Se calhar era melhor esperar e ver….Mas era difícil, existia o sistema de ensino, existia o meu ego. Ambos tinham dificuldade em achar esta ideia de “esperar” simpática: “Esperar? Impossível!”. A escola dizia: “queremos meninos rápidos na aprendizagem e bem comportados.” O meu ego dizia: “quero um filho que me mostre quão perfeita sou.” Qual esperar, qual quê!?
Mas o dilema instalou-se. E uma questão surgiu: e se houvesse outro tratamento que o ensinasse a lidar com os seus sintomas?
“O tratamento farmacológico é o que tem mais eficácia” foi a resposta.
Fui à procura. Sim, é verdade! É o mais eficaz. A curto prazo. Pelo menos, segundo um dos estudos de referência nesta área, o MTA (Multimodal Treatment Study). Nesse estudo realizado ao longo de várias décadas, e onde participaram aproximadamente seiscentas crianças com PHDA dos 7 aos 9 anos de idade, a maioria beneficiou da medicação no primeiro ano. No entanto, os seus efeitos diminuíram até ao terceiro ano, se não antes. As crianças que foram seguidas até aos seus 15/ 16 anos de idade e que tinham tomado medicação não registaram diferenças em relação às que tinham feito outro tipo de tratamento no que diz respeito à avaliação escolar, detenções policiais e hospitalizações psiquiátricas. Os pesquisadores deste estudo concluíram que não havia a longo prazo benefícios em tomar medicação para PHDA (Perturbação de Hiperatividade e Défice de Atenção) e sublinharam a necessidade em desenvolver tratamentos que sejam eficazes, acessíveis e suscetíveis de funcionamento na idade adulta.
Impõe-se agora fazer uma ressalva de extrema importância: este artigo não tem como intenção julgar, condenar, demover todos aqueles que acreditam na medicação. Independentemente dos estudos, na Internet, não faltam testemunhos de pais e portadores desta perturbação a relatar experiências de sucesso com a mesma. Em muitos casos, face à forma como a sociedade está organizada, acredito que os fármacos possam ser úteis. E também não julgo que a intenção dos pais que dão essa medicação seja, como muitos dizem, “porque não têm paciência para os seus filhos”. Aliás, tenho acompanhado pais que tomaram essa opção (uma decisão sempre muito pensada) e são pessoas maravilhosas, com um coração enorme, que amam muito os seus filhos. E sinceramente, também não posso dizer que desta água não beberei.
A única reticência que tenho em relação à medicação, e é este um dos motivos pelos quais conto a minha história, é que esta, com a promessa de resultados visíveis imediatos, nos afasta de olhar para nós, enquanto sociedade e enquanto indivíduos. Por isso, na minha opinião, antes de qualquer tratamento farmacológico é urgente olharmo-nos e questionarmo-nos: “que exemplo, estamos/estou a passar?.
Porque, olhando agora para trás, se naquele momento não me tivesse colocado em causa, se não tivesse procurado por outras respostas, se não tivesse questionado o sistema, não teria tido feito descobertas maravilhosas. Não vou mentir o caminho não foi (é) fácil, houve (há) muitas encruzilhadas, curvas apertadas, lombas na estrada, mas sem dúvida foi (é) a viagem mais bela que fiz (faço) na minha vida. Uma viagem ao meu interior que me ensinou (a) a cuidar de mim, a trabalhar a minha ansiedade, impaciência, agitação, instabilidade emocional, …. No final, a amar-me mais e a amar mais o meu filho. Claro que isto teve repercussões muito positivas no meu filho.
Nunca esta frase de S. Tsabary, terapeuta familiar de renome, fez tanto sentido para mim: “uma certa criança entra na nossa vida com os seus problemas, dificuldades, teimosias e desafios temperamentais para nos ajudar a ter noção do quanto nos falta crescer“.
Acredito que a resposta para os desafios que os nossos filhos nos colocam esteja em dentro de nós e não no exterior. Agora a questão que se impõe é: será que somos capazes de Parar para olhar para nós? E este olhar de que falo não pode ser só realizado pelos pais (claro ajuda, mas não basta), tem de feito por todos, por toda a sociedade. Todos temos de Parar. Porque cada vez há mais crianças a serem diagnosticadas com esta perturbação, com ataques de ansiedade, pânico, …
“Mas isso não é possível”, dizem. “Não temos tempo”. Isto é o argumento que oiço normalmente. Não há tempo. Será? Será que não há tempo? Ou será que nós é que fazemos a escolha de não ter tempo? Falo por mim. Muitas vezes digo que não tenho tempo mas isso não é verdade. Eu tenho tempo. Eu não tenho é paciência. Eu não tenho é essa prioridade. Eu não tenho é disciplina. Eu não tenho é coragem. Mas a verdade é que tenho tempo.
Continuei à procura de respostas. Não foi um processo fácil. Sofri. Perguntei muitas vezes: “porquê a mim?”. Mas continuei. Os nossos filhos fazem-nos isto: buscar forças onde não é possível.
Surgiu então uma prática no meu caminho que mudou o rumo da minha vida e do meu filho. Essa prática chama-se Mindfulness, em português, Atenção Plena. Mindfulness, resumidamente, significa prestar atenção ao momento presente sem julgamentos. Com o Mindfulness descobri que não faz mal Parar. Parar não é perder tempo, é sim Ganhar tempo. Tempo para desfrutar de forma plena de mim, dos meus filhos, da minha família, dos meus amigos, do ambiente que me rodeia, … Com o Mindfulness descobri. Novas sensações. Novas emoções. Novos sabores. Novos cheiros. Novas texturas. Novas paisagens. Novos olhares. Com o Mindfulness descobri. A textura da gelatina. O cheiro da terra molhada. O abraço do vento no Verão. Com o Mindfulness descobri. O sinal nas costas do meu filho. O macio da barriguinha do meu bebé. A necessidade por detrás da birra. A essência por detrás do rótulo. O potencial por detrás da limitação. Com o Mindfulness descobri. Respostas mais conscientes às birras. Reações mais ponderadas às teimosias. Um espaço entre emoção e reação. Com o Mindfulness descobri. O milagre que me rodeia. O ser que sou. O amor que sou. Com o Mindfulness descobri. Que não sou só isto ou aquilo. Que não sou só divertida, expansiva, rápida, agitada. Sou muito mais. Sou sensível, humana, profunda, calma. Sou um pouco de tudo. Sou como tu. Como o outro. Como o teu filho. Não tenho limites. Sou Imensa. Com o Mindfulness descobri. Que não há culpa mas sim compaixão. Por mim e pelo meu filho. Com o Mindfulness descobri que Agora está tudo bem.
E o meu filho, através do meu exemplo, foi acalmando.
Mas não tenhamos falsas expetativas. Não é um processo rápido no sentido em que os benefícios observados são imediatos. Não! É preciso tempo, treino, disciplina, paciência. É preciso inclusive não pensar nos benefícios. Só desfrutar da prática.
Também não quero levar ninguém ao engano, eu e o meu filho não passámos a ser “Budas”. Não. Continuamos a ser agitados, rápidos, inquietos. É a nossa essência! E estou a falar no plural (eu e o meu filho) porque entretanto percebi que eu (pelas minhas reações, atitudes, energia,…) tinha uma grande quota de responsabilidade no seu diagnóstico. Talvez eu também fosse/seja hiperativa. Não sei, o certo é que eu mudei, ele mudou e a nossa relação transformou-se. Para melhor, claro. Com o Mindfulness.
Agora estamos mais atentos ao que se passa dentro de nós. Agora temos uma âncora (a respiração) que nos podemos agarrar quando sentimos que estamos a entrar numa espiral de reatividade, impulsividade,….
Eu aprendi a prestar atenção aos meus filhos sem julgamentos, aumentei a minha consciência do momento presente, reduzi as minhas reações automáticas negativas e mais importante (pelo menos para mim que era uma pessoa controladora e perfecionista) aprendi a confiar na vida, o que me levou a perder muita da ansiedade que tinha. E o meu filho. Bem, o meu filho seguiu simplesmente o meu exemplo. Educamos pelo exemplo. Esquecemo-nos tão facilmente disto, não é?
O primeiro contato com o Mindfulness não foi muito agradável. Para mim que era uma pessoa muito mental, agitada, ansiosa, parar era muito difícil, tornava-se quase angustiante. Mas segui e continuei. Pelo meu filho. Entretanto apaixonei-me. Apaixonei-me de tal forma por esta prática que tirei vários cursos na área da Educação e de Mindfulness. Neste momento estou a criar um curso para pais de crianças hiperativas, agitadas,… onde transmitirei algumas práticas de Mindfulness que me ajudaram (e muito) a lidar com o meu filho de uma forma mais calma e serena. Se tiveres interesse em saber mais, segue a minha página de FB: https://www.facebook.com/carlafspatrocinio
Ao escrever este artigo também senti a necessidade de criar uma página dedicada ao estudo deste tema. Se quiseres obter mais informações sobre o mesmo segue o link: https://www.facebook.com/phdaemindfulness/
Os estudos já realizados (estudos que implementaram um programa com duração de 8 semanas a pais e crianças com PHDA) referem que esta prática pode ser uma intervenção útil para os pais destas crianças e para o tratamento dos sintomas desta perturbação. Esses estudos utilizaram um programa com a duração de 8 semanas e tiveram resultados, agora imaginemos que, em vez de 8 semanas, conseguimos integrar esta prática no nosso dia-a-dia e que esta passa a ser um modo de vida.
Lídia Zylowska, uma psiquiatra americana especializada em mindfulness, que liderou o primeiro estudo piloto de treino mindfulness em adolescentes e adultos com PHDA, faz algumas questões no seu livro dedicado ao estudo que gostaria que refletisses, inclusive que podes perguntar ao teu filho hiperativo:
– Se houvesse um treino mental que melhorasse a tua atenção, impulsividade, e qualidade de vida, tentarias?
– Se pudesses mudar velhos padrões e reações e criar uma nova maneira de lidar com o stress, mudando a tua vida, farias isso?
– Se pudesses ter um maior equilíbrio emocional, estarias disposto a fazer mudanças na sua forma de viver?
– Se pudesses estar mais presente para ti e para os que amas, isso inspirar-te-ia a fazer mudanças?
– Se tivesses mais controlo nos sintomas do PHDA, achas que faria diferença?
– Se pudesses ter uma apreciação positiva de quem tu és, ficarias mais feliz?
Se respondeste “sim” a alguma das questões, convido-te a experienciar esta prática.
“Mas como?”, perguntas. A mudança começa devagarinho. Só tens que fazer um bocadinho todos os dias. E na verdade, vou-te contar um segredo, não é preciso assim tanto tempo. Se não tiveres tempo, basta uma respiração consciente.
Queres experimentar?
Lanço-te então um desafio. Uma das 7 atitudes do Mindfulness é o Não-Julgamento. Adoro este princípio e tento exercitá-lo todos os dias. Eu sei que não é fácil mas gostava de te propor a prática desse princípio, AGORA. Vamos a isso?
Recolhe-te e respira. Uma respiração longa e profunda. Como seres pensantes que somos é perfeitamente natural julgarmos o que se passa connosco e à nossa volta. Julgamos o vizinho que não trata do cão, julgamos o nosso chefe porque não nos valoriza, julgamos o nosso filho porque se esqueceu de fazer os TPC´s, julgamo-nos porque gritamos com o nosso filho,… E não nos enganemos, todos julgamos. Eu julgo, tu julgas, ele julga… ponto. Então agora convido-te a dares-te conta desses julgamentos. Por exemplo, qual é o teu julgamento agora em relação a este artigo? Achas que … ou achas que…. Observa de forma curiosa o julgamento que estás a fazer. Em vez de te deixares levar por esse julgamento, experimenta simplesmente observar e reconhecer essa experiência. És simplesmente o observador. Respira.
Esta é a minha história. Existirão outras histórias, outras verdades. Esta é minha verdade, que poderá servir uns e não a outros. E está tudo bem! A minha história mostrou-me que é possível uma abordagem diferente a estas crianças. Não me parece lógico que estas crianças sejam vistas de forma isolada. Pertencem a uma família. Pertencem a uma comunidade. O Olhar tem que abranger todos. Mas como? Praticando Mindfulness. Todos!
Mas é preciso Parar!
“Não sou capaz. Não tenho tempo. Não tenho paciência”, dizes. Devagarinho. Estou aqui. Vamos juntos? Se sentires que te posso ajudar, segue-me em: https://www.facebook.com/carlafspatrocinio
Carla Patrocínio
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